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Foto: Jorge Alfar (site Olhares.com) |
Ela tenta sorrir, tenta ver algum
brilho na vida com os olhos opacos de catarata, vendo tudo amarelado,
acinzentado, desanimado como fotonovelas antigas, sem trilha sonora. O
choro, inevitável e contido, escorre timidamente e ela se pergunta por
que sente tanta angústia, por que quer chorar, por que está assim
triste. É que o fim se aproxima, ainda que vagarosamente, e é difícil
olhar o fim da linha do trem quando não se quer desembarcar, quando nem
há estação final, mas tão somente um final incerto e duvidoso. Ela tenta
sorrir, sai amarelo como a catarata que lhe encobre os olhos; ela tenta
brincar, mas entremeia algum sorriso a muitos choros e queixas; ela
tenta encontrar um sentido que talvez não exista se não conseguirmos
conferir algum sentido à existência, e não é tarefa fácil. Viveu,
estudou o pouco que pôde, trabalhou exemplarmente, casou-se, teve filhos
e seguiu, mas sempre antevendo os sintomas da catarata da alma, agora
também nos olhos. Cataratas assim fazem desaguar águas, rios e rios de
lágrimas que podem escorrer pra dentro ou pra fora, mas deságuam. Não
são cataratas belas como as da natureza, as de águas doces. São cataratas de
angústias, dúvidas, medos, ansiedades e inquietudes doídas. Ela segue
por falta de opção, a mesma falta de opção que acomete todos os seres
vivos animados, ainda que desanimados, mas não inanimados. Ela olha o
chão como quem escava a terra com o olhar, alcançando o infinito. Ela
busca ela mesma e busca o que a vida lhe deu, e pouco encontra. Ainda
assim há o apego à vida e o medo do sofrimento já visto na rata final de
outros próximos, e sabe que a idade lhe impõe isto. Talvez, como eu, ela
deseje um final em sono tranquilo e despercebido, sem prolongamentos
desnecessários. Que assim seja, caso haja alguém a comandar alguma
coisa. Ela também duvida disto. Todo mundo duvida, e às vezes os que mais
afirmam certezas assim são os que mais duvidam, mas jamais dão o braço a
torcer pois precisam se agarrar a qualquer tronco podre que se encontre boiando.
Ela já leu isso?
ResponderExcluirThátis.
Não leu, Thátis, ela não acompanha o blog e na verdade este texto pode se aplicar a várias "elas" na mesma situação. Serviu de inspiração pra mim, mas não precisa necessariamente que "ela" seja a "ela" que inspirou o texto.
ResponderExcluirAdoro ter você lendo e comentando por aqui, sabia? Faça mais isso!
Beeeijo.
Fiquei comovida. Estamos todos sujeitos às cataratas que nos acometem.
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