domingo, 28 de outubro de 2012

Cataratas

Foto: Jorge Alfar (site Olhares.com)
Ela tenta sorrir, tenta ver algum brilho na vida com os olhos opacos de catarata, vendo tudo amarelado, acinzentado, desanimado como fotonovelas antigas, sem trilha sonora. O choro, inevitável e contido, escorre timidamente e ela se pergunta por que sente tanta angústia, por que quer chorar, por que está assim triste. É que o fim se aproxima, ainda que vagarosamente, e é difícil olhar o fim da linha do trem quando não se quer desembarcar, quando nem há estação final, mas tão somente um final incerto e duvidoso. Ela tenta sorrir, sai amarelo como a catarata que lhe encobre os olhos; ela tenta brincar, mas entremeia algum sorriso a muitos choros e queixas; ela tenta encontrar um sentido que talvez não exista se não conseguirmos conferir algum sentido à existência, e não é tarefa fácil. Viveu, estudou o pouco que pôde, trabalhou exemplarmente, casou-se, teve filhos e seguiu, mas sempre antevendo os sintomas da catarata da alma, agora também nos olhos. Cataratas assim fazem desaguar águas, rios e rios de lágrimas que podem escorrer pra dentro ou pra fora, mas deságuam. Não são cataratas belas como as da natureza, as de águas doces. São cataratas de angústias, dúvidas, medos, ansiedades e inquietudes doídas. Ela segue por falta de opção, a mesma falta de opção que acomete todos os seres vivos animados, ainda que desanimados, mas não inanimados. Ela olha o chão como quem escava a terra com o olhar, alcançando o infinito. Ela busca ela mesma e busca o que a vida lhe deu, e pouco encontra. Ainda assim há o apego à vida e o medo do sofrimento já visto na rata final de outros próximos, e sabe que a idade lhe impõe isto. Talvez, como eu, ela deseje um final em sono tranquilo e despercebido, sem prolongamentos desnecessários. Que assim seja, caso haja alguém a comandar alguma coisa. Ela também duvida disto. Todo mundo duvida, e às vezes os que mais afirmam certezas assim são os que mais duvidam, mas jamais dão o braço a torcer pois precisam se agarrar a qualquer tronco podre que se encontre boiando.

3 comentários:

  1. Ela já leu isso?
    Thátis.

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  2. Não leu, Thátis, ela não acompanha o blog e na verdade este texto pode se aplicar a várias "elas" na mesma situação. Serviu de inspiração pra mim, mas não precisa necessariamente que "ela" seja a "ela" que inspirou o texto.
    Adoro ter você lendo e comentando por aqui, sabia? Faça mais isso!
    Beeeijo.

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  3. Fiquei comovida. Estamos todos sujeitos às cataratas que nos acometem.

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