segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Velha lacuna

Ainda com o tempo de tantos anos decorridos, o menino procura sua mão e tenta alcançá-la em algum lugar que não sabe onde. Hoje faria 93 anos o homem, mas há 40 anos já se foi. A orfandade vem e fica, imposta como tudo que a vida impõe, jamais democrática. A orfandade faz o órfão e assim este permanece com uma lacuna incomensurável, uma ausência jamais preenchida, um amor interrompido antes que se possa até mesmo compreender a morte, o que é, por que é. E ninguém sabe, só sabe que é um findar inevitável, aleatório, com poucas lógicas. Um adeus, um desaparecer eterno. Teorias em contrário impostas na cabeça da criança de 6 anos fizeram mais estragos do que se pode imaginar. E hoje à noite talvez pudesse ser mais uma noite de simples comemoração com café fresco e pão de queijo feito em casa, bem ao estilo de um mineiro apreciar as presenças. Mas não vai ter festa nem celebração, vai haver apenas memória, saudade e lacuna, que é assim que sempre foi. A lacuna se fez, e do menino fez lacuna a vida, os desejos, as conquistas, a degradação. O adeus é algo profundamente destruidor, e corrói, e marca, e destrói nesta corrosão eterna e irreversível. O raciocínio lógico jamais foi capaz de dirimir os estragos, por mais que se tenha tentado, por mais que se continue tentando. O menino continua só, desamparado, pedindo socorro sem que se ouça sua voz, seus gritos, sem que se vejam suas lágrimas, sem que o menino se descubra homem, pois permanece criança solitária com as pequenas mãos estendidas em espera das mãos do pai, que já não pode mais ouvir porque já não mais é nem pai nem nada, deixou de ser, foi a sete palmos. Ainda o menino vê o homem, o herói, desabando diante de si. Ainda o menino se vê, simultaneamente, desabando e se vê desabado, destruído. Ainda o menino se vê menino e não homem, a despeito do tamanho, da idade, do que for.

2 comentários:

  1. Interessante, hoje tive que lidar justamente com a inevitabilidade da morte. E, quando pensamos que todas as dores decorrentes dela foram curadas, vem ela, em pessoa, de trás da porta trazer as lembranças e mostrar que as dores, as dores dela nos acompanharão, até a morte, simples assim.

    beijos, bom te ler de novo!

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  2. É tema recorrente pra mim, Patrícia. Bom te ter por aqui.
    Beijo grande.

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