quarta-feira, 19 de maio de 2010

Saguão

Saguão de embarque do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo/SP. Longa espera, não por atraso do vôo, mas por adiantamento meu. Pessoas tensas, pessoas apressadas, outras poucas tranquilas, até adiantadas, todas num vai e vem ininterrupto. Uma bela loira fica andando ao redor de uma pick-up, lançamento de luxo de uma grande montadora de automóveis. Linda, quase ofusca o carro. Deve ser um trabalho chato, manter um sorriso quase ininterrupto no rosto, sorriso obrigatório à função, dando informações repetidas para chatos e não chatos encantados com a máquina. Qual das máquinas? Às vezes as duas, já que 99% dos admiradores são homens e, claro, param para pedir informações, o que é chance de contato, mas não de tato. Nas cantadas, às vezes, ou via de regra, falta exatamente isto: tato. O fluxo de passageiros aumenta e diminui. A voz sexy (ou pretensamente sexy) dos auto-falantes se faz ouvir com certa frequência. Quantas vidas, quantas histórias. Saguão de aeroporto é um desses lugares onde, no meio da multidão, se está só. Ao meu lado um homem ao celular dá instruções de negócios, coisa grande, talvez, média, ao menos. A moça à minha direita, sutilmente curiosa, me observa a escrever com boa letra em papel A4 reciclado e com uma caneta preta normal e pouco usada, semi-nova. Nem sabe que foi citada, nem sabe quem sou eu, nem eu sei quem é ela. Muitos se observam, pouquíssimos se falam. Os motoristas de taxi são, a meu ver, um dos pontos altos da megalópole: eficientes, bem informados e educados. Não é assim em toda cidade grande. No Rio, por exemplo, é bem diferente. Em São Paulo, sempre rendem uma boa conversa. O que me trouxe aqui contou sua vida desde o casamento até aquele instante e me deixou seu cartão dizendo que me buscaria em Congonhas na minha próxima estada com o maior prazer. A loira, ao redor do carro em amostra, continua lá, linda e alta, com seu sorriso obrigatório. Ela tem pneuzinhos, notei! Isto a faz mais humana e até mais interessante. O diminutivo ajuda, mas ela é bem alta. Em meio a isto, me pergunto: o quanto há de obrigatório e o quanto há de escolha em toda esta gente que circula freneticamente? Onde se delimita a divisão entre a tortura, o mecânico e o prazer? É tudo, quase tudo, frenético. Vive-se para trabalhar, quando deveria ser a ordem inversa. Um saguão retrata o humano mecanizado, até desumanizado. A razão irracional, os sentimentos contidos nos papéis desempenhados na vida. Negócios, negócios e mais negócios. Estresse, estresse e mais estresse. Ambições variadas, mas normalmente pouco dosadas. Vão pegar vôos de destino ou estão a voltar para casa? Para alguns, as poucas horas de vôo com o celular desligado são uma tortura imensurável. Não sabem mais viver sem o celular, sem a agenda, sem o notebook, sem o mp3. A pessoa ao lado já não existe mais, nem nos bancos apertados dos aviões. Apertadíssimos, aliás. Felizes dos baixinhos e magrelos. Estou a passeio, voltando pra casa, pra terra natal, pro trabalho de que gosto, e que seja dosado, bem dosado (sem falta, também, não sejamos hipócritas), com ambição dosada. Assisti a dois shows maravilhosos nestes dias paulistanos e que me remeteram a tantas lembranças... Um foi do Roger Hodgson (Supertramp) e outro da Rita Lee. O primeiro me emocionou mais, muito mais, vasculhou o mais profundo das minhas emoções e lembranças. A Rita, também, quando colocou no telão de alta definição do fundo do palco uma série de fotos antigas, medianamente antigas e mais atuais da vida e da carreira dela. Também quando cantou "Lança Perfume", música que ouvia em LP quase até furar. Do Supertramp, de vasculhar o passado e transbordar as emoções, "Fool's Overture", "The Logical Song", "Soapbox Opera", "Take The Long Way Home", "Dreamer", "Hide In Your Shell", "Give a Little Bit", "Easy Does It" e tantas outras, sem exceção de nenhuma. Divagação interrompida: olha lá a loira abrindo a porta da pick-up pra mais um curioso. Explica, responde, sorri, depois se mantém circulando. Quantas histórias e psiques espalhadas a se entrelaçar e a não se entrelaçar, mas ali dividindo o mesmo espaço! A voz sexy do auto-falante se faz ouvir de novo. Um senhor passa apressado e pega a escada rolante, mas não espera que ela a leve; sobe freneticamente os degraus atropelando quem está à sua frente. Acho que estava correndo atrás da voz sexy, que fizera a última chamada para o embarque de um vôo e citava alguns nomes. É fabulosa esta observação! Muito se mostra sem querer, muito se esconde propositalmente. Logo ali alguns escolhem ou simplesmente olham livros na livraria e revistaria, enquanto eu escrevo aqui e observo para ajudar a passar o tempo. A maioria está tão apressada que nem pensa racionalmente, vão por instinto e por memória repetitiva. Na minha frente continuam a loira e o carro, belos ambos. Mas que pessoas são estas? Que pessoa sou eu? Que mundo! É belo e caótico, reflexo da vida, reflexo de nós. Hora de pegar o vôo e passear pelas nuvens.
PS:
Escrito em 17/05/2010 no saguão de Congonhas, São Paulo/SP, por volta das 13h em meio ao vai e vem de pessoas e ao término de minhas mini-férias.

2 comentários:

  1. Hummmmmmmmm... então vc estava em São Paulo!... Me fez uma falta danada Ivan...
    Sem comentários para mim e sem esses posts incríveis que nos fazem viajar com vc... neste em especial uma viagem sobre a vida, as pessoas as relações enfim a importancia e efemeridade das coisas...
    Enfim meu amigo, foi longe mesmo em terra firme, e muitas pessoas passam a vida toda sem ao menos passar do quarteirão de casa!
    Bom te ter de volta!!Sempre bom te ler!
    Beeeijo Grande!

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  2. Que bom quando os passeios pelas nuvens rendem relatos e histórias, Ivan!!!

    Um beijo, bom saber dos shows, tua alegria revela o quanto a música é importante a ti e a todos!!!

    Carmen.

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