- Sim, li. Magnífico, não?
- Sim, magnífico.
- Mas falta-lhe uma definição, uma marcação, se conto, se crônica, se poesia em prosa. Assim não pode ser.
- É verdade, um descalábrio, escrever assim sem seguir à risca o que nós, teóricos, passamos a vida em categorizar.
- E ele ousa descategorizar-se!
- Sim, é como que nos desqualificar, ao descategorizar-se.
- Absurdo!
- Um abuso, uma afronta para conosco, os críticos.
- Sem a menor sombra de dúvida. Já nem sei se gostei tanto do texto. Estava aqui a pensar na crítica a fazer.
- Também eu. Falta-lhe um estilo definido, bamboleia, é e não é.
- Soa fraco, não é?
- Muito.
- Era mesmo este texto que tínhamos dito que haviamos gostado?
- Penso que não, nos equivocamos, pois este não tem estilo definido, tem estilo de querer ser misto.
- Difícil concordar com tamanho atrevimento. Vamos à crítica que irá ao jornal?
- Sim, claro, e que dizemos?
- Penso que "Texto bem elaborado, mas fracamente definido e, por si, indefinido, deixando um vazio, uma lacuna, uma falta de literalidade imperdoável a quem quer ser escritor."
- Acho que está bom, mas benevolente. Eu afirmaria que nem é escritor.
- É verdade, mas sou mesmo um crítico benevolente.
- Se queres ser assim, está bem, mas eu pegaria mais pesado. Há de ser um conto ou crônica ou ensaio ou poesia romântica ou poesia concreta, mas algo definido. Ser simplesmente um texto, ainda que bom, supondo que o fosse, não dá.
- É isto, não tem futuro, já que não se classifica.
- Vá, pode mandar pra edição que será publicado amanhã de manhã. Mande logo.
- Ok. Mas pegando o gancho da conversa, ouviu este CD que te emprestei?
- Sim, ótimo, me arrepiei todo com os arranjos, o virtuosismo, a inspiração, a agressividade contida e mesclada com suavidade.
- Senti o mesmo, sabia que irias gostar.
- Que é? É jazz?
- Não! É um misto de jazz com rock com clássico com progressivo e tonalidades de canto gregoriano antagonizando com o instrumental às vezes ácido com fusion, enfim.
- Ah... É, muito bom mesmo, excelente esta mistura.
- Ainda bem que não somos críticos musicais, senão teríamos que dizer que não gostamos de um CD tão genial.
- Aliás, falando nisso, vi uma crítica falando muito mal deste CD, dizia que lhe falta um estilo definido e, sendo assim, não poderia ser música.
- Mesmo? Que absurdo! Que falta de ouvido.
- É, tem gente pra tudo neste mundo das críticas. Não sabem simplesmente admirar, têm a compulsão de classificar.
- Não somos assim, somos?
- Claro que não, somos justos, apenas, e entendedores da escrita. Jamais fomos injustos.
- É verdade, até me sinto aliviado de que compartilhes comigo esta opinião.
- Imagine, sei que tens bom senso, com eu.
- Vamos ouvir o CD?
- Sim. E se quiseres, podemos ler aquele texto de novo.
- Qual?
- O que criticamos. É sem estilo, mas algo me faz chegar a ele de novo e tentar extrair algo mais, embora nem possa ser considerado literatura.
- É, vamos ler, sim, e escutar o CD.
- Agora vê se fica quieto, começou a tocar, olha que primor.
- Psiu! To lendo, fica quieto também.
Hey Ivan!!!
ResponderExcluirEste diálogo dá o que refletir, mais, além do pensar ele nos coloca em ato ao momento crítico em que vivemos e ai, bem que muitos te leiam e critiquem se criticando!
Parabéns e obrigada por esta leitura!
Um abraço carinhoso,
Carmen Silvia Presotto
"Não me ajeito com os padres, os críticos e os canudinhos de refresco: não há nada que substitua o sabor da comunicação direta."
ResponderExcluir(Mário Quintana)
sabe que é justamente essa comunicação direta o que mais me encanta nos blogs...tenho a chance de conversar com meus escritores sobre as sensações e percepções acerca de seu tema, seja texto, poesia, heresia, diálogo, conto... ou todas as coisas, ou nenhuma, ou algumas e não outras...enfim, o que continua mesmo valendo é o conteúdo e não o formato ou a falta dele...
beijo
Muito divertido! Gostoso de ler!
ResponderExcluirTenha piedade dos críticos, Ivan, eles são tão incompreendidos... sabe, não concordo que o crítico seja o artista frustrado, a crítica bem escrita é uma verdadeira arte, à parte. Mas que pode ser um pé no saco, ah isso pode!
Beijão procê!