Neste momento a cidade silencia e se prepara para amanhã. Hoje é domingo, ontem foi sábado, amanhã segunda. Se nada for modificado e as coisas seguirem na ordem desordenada, assim será, assim seguiremos, seremos, nos perderemos em meio às obrigações, cobranças, boletos e borboletas, porque será segunda e depois terça e depois quarta até voltar tudo, como no moto-perpétuo, que nem é perétuo, nem tão repetitivo. Diante do espelho nos vemos sempre, todos os dias, os mesmos e outros. A cada fração somos os mesmos e outros, convivemos com os mesmos e outros, velhos ou novos amigos. A metamorfose é o tempo: transforma, às vezes deforma, mas acho mais que enriquece. Às vezes entristece, pois nas metamorfoses que vivemos que nos são dadas viver há diversas com nomes e funções diversas: amor, conhecer, amar, dor, prazer, fome, desejo, apatia, alegria, choro, sonho, pesadelo e, ah, tantas despedidas. Acho que estas são as metamorfoses mais difíceis de viver, as despedidas, de gente viva ou mudada, gente que deixou de ser gente, gente que sofreu e minguou, gente que amamos e se deteriorou metamorfoseando-se pelas exigentes metas do mundo ou por paranóia pura e simples.
Sinto falta do acordar despreocupado, do café da manhã quentinho com leite, Toddy, pão com requeijão, carinho e uma vida pela frente. O quintal de terra, a mangueira, a jabuticabeira que floria sempre perto do meu aniversário e ficava cheia de enormes, doces e suculentas jabuticabas. Ah, não posso desmerecer a manga-três-anos, espécie trazida por meu pai lá das terras de Minas Gerais. Saudades das goiabeiras. De uma delas caí, aos quatro ou cinco anos, de cabeça, mas foi só susto. Saudades da bicicleta azul, último presente de natal que meu pai me deu com minha mãe, linda, Monark Dobramatik. Com ela me sentia conquistando o mundo, ainda mais depois que tirei as rodinhas, por ter me metamorfoseado em "equilibrista". Sinto saudades, saudades imensas e continuarei sentindo estas e outras, pois também as saudades sofrem metamorfose, mudam, se renovam, somam-se a outras saudades. Terei saudades de hoje, com certeza, e também de amanhã, provavelmente. A vida é movida pelo presente, impulsionada pelo passado e pela ilusão de que futuro há, quando tudo é presente metamorfoseado.
Hoje acordei de pesadelo forte, aos prantos. No pesadelo, saudades, algumas antecipadas, outras já presentes. Pesadelo foi sonho de vida, doído. Saltei da cama num pulo, pus-me de pé e não deitei mais. Aquele pesadelo agora, não. Que minhas tormentas dêem certo alívio e tempo, se é que me obedecem o querer. Talvez sim, talvez não.
Saudade do tempo que passou, do que fiz e não fiz, daqueles com os quais convivi, vivi, amei. Alguns ainda estão, vários já se foram. Um dia irei eu. Pra onde? Talvez lugar algum. E às vezes penso que a inexistência é a forma mais confortável de eternidade. Talvez um lugar onde existamos só em boas saudades, gostosas, com cheiro, tato, paladar e coração. Meta mor, metamorfose.
Toda essa nostalgia e um tanto de saber que tudo isso é tão parte de tí, me fizeram chorar! Neste momento só quero pensar...
ResponderExcluirBeijo.
Kenia,
ResponderExcluirBeijo, beijo, beijo...
Ivan,
ResponderExcluirQue coisa mais rica!!!!!!!! Super inquieto, e cheio de significados...De uma puta coragem e beleza única...
Também me emocionei...
Talvez tenha sido o seu texto que mais me calou... Esse eu já imprimi...vai p canastra!
amei...
Parabéns!!
Um abraço muuuuuuito apertado p vc!
Aline,
ResponderExcluirAcho que não vejo isto tudo no texto, mas ainda assim, obrigado, obrigado de tantão.
Beeeeeeeeeeijo.
Quando a saudade aperta, a palavra desperta, sublima e nos faz seguir...
ResponderExcluirIvan, a tinta da escrita nos salva!!!
Que bom te ler.
Beijos,
Carmen Silvia Presotto