quarta-feira, 31 de março de 2010

Nós

Somos um monte de nós
Cada um é só
Juntos, ainda sós, ainda nós
Emaranhados
Fios desconexos ou entrelaçados
Complicados, sós
Soldas, parafusos, loucos e confusos
Relações perigosas
De nós com nós, em laços que se desenlaçam
Religações temerosas
De um só com só-nó que é nó-gente que destrambelha só

Lamento só

Hoje que só o pranto
Em terra arada, seca e sem vida
Se faz vencer

Sorrio como bobo
Que a corte está feita no desfazer
Desapareço em mim

Iludo-me eu só
Vejo-me e sou visto a chorar, sim
Se não se aproximam

É só desfeita
A terra arada não é terra semeada
Se nasce algo, é praga

Puro capim só
Pranto que pleiteia atenção e vida
Não adianta dolo

Hoje que só é pranto
Em pranto e riso bobo se desfaz
Faço coro, canto

domingo, 28 de março de 2010

Instinto persecutório

Será que seguimos nossos instintos
Ou são nossos instintos que nos seguem?
Vejo por perto sempre uma sombra
Não desgruda de mim!
É perseguição, tem bafo, tem rosnado
Tem gosto de mim.
Se não gosto dele, pouco importa,
Vem ao encalço, o bafo,
Rosnado forte, patada cruel, selvageria...
Será ele ou serei eu?
Instinto maquiavélico, verso satânico,
Divina comédia, instantânea.
Uma hora me alcança o instinto todo
Noutra me entrego a ele eu
O desfrutar da vida como um todo é meio:
Metade razão, metade instinto
Há quem diga que nisto me engano: minto,
Mas o bafo devorador, eu sinto!

No ser

Em nossos olhos
Reflexos, líquidos, músculos
Em olhos nossos
Imagens, ilusões, lágrimas

Em nossas bocas
Sorrisos, falas, ditos, mitos
Em bocas nossas
Lábios, beijos, dentes, mordidas

Em nossas mãos
Direções, restrições, vidas
Em mãos nossas
Afagos, egos, dez dedos, ação

Em nossos peitos
Respiração, transpiração, ar
Em peitos nossos
Batidas, feitos, orgulho ou não

Em nossas pernas
Caminhar, seguir, andar ou correr
Em pernas nossas
Capacidade, entrelace, amor

Em nossos corpos
Gente, alma, interrogação, ser
Em corpos nossos
Latência, querência, posição, poder

Em nosso ser
Alma, espírito, corpo, vida e morte
Em ser nosso
Ser ou não ser, é uma boa questão


Figura:
O Homem Vitruviano - Leonardo da Vinci (1490)

sexta-feira, 26 de março de 2010

Impossibilidades

Nunca seremos capazes de nos desvencilhar de nossas próprias sombras... Tampouco seremos algum dia realmente capazes de olhar nos nossos próprios olhos.

A tentar (culinária)

Mais uma receita dada
A saber se será boa
A tentar!

Pois com receita é assim
Sem tentar, sem saber
A tentando!

Outra receita e foi nada
Passou do ponto bom
Foi a tentado!

quinta-feira, 25 de março de 2010

Aforismos adentro

DA CHUVA
Dizem por aí que a chuva são as lágrimas de deus que ele derrama pelos homens. Duvido! Acho que são puro suor vertido nessa batalha dele mesmo com o que criou e não consegue ordenar.

ESPANTALHO
Sou como um espantalho,
Mas não porque afugente os pássaros.
É que aos olhos deles me pareço vivo.

RACOFAGE
Existem várias espécies de seres humanos: alguns humanos, mesmo, e outros totalmente animalescos. Biologicamente, no entanto (na classificação das raças, classes, ordens, famílias, gêneros e espécies), são tidos como uma coisa só. A ciência se engana muito, também. Se esquece de olhar a alma quando só classifica massas vivas.

ZOMBARIA
Há quem zombe dos fracassados. Mas, ah, pra que? Os fracassados são já, por si só, a representação máxima da zombaria aos bem sucedidos. Será revanche?

DUENDES
Existe política sem politicagem? Existe humanidade sem maldade? Acho que são coisas que todo mundo diz que existe, mas nunca viu, como os duendes.

DUENDES II
No meu jardim apareceram duendes, correram, brincaram, esconderam-se uns dos outros, cuidaram das plantas e dos pequenos animais, como alguns sapinhos que há por aqui. Achei lindo. No final do dia me trouxeram a conta. Deus meu! O capitalismo chegou aos contos de fadas! Já têm até sindicados.

ANULAÇÃO
O mesmo que não fazer nada é querer fazer tudo.

REPRESENTAÇÃO
Dizem que os políticos nos representam. Acho mesmo que é verdade. Eles recebem por nós, usufruem por nós, gastam por nós, comem e bebem por nós. Na hora de votar até nos dão tapinhas nas costas. Não são uns amores de candura?

CRIAÇÃO
Deus criou o mundo em seis dias, no sétimo, merecidamente, descansou. Pena a semana ser tão curta, pois não deu tempo de revisar tanta coisa mal feita!

HERESIA
Dizem que hereges, após a morte, vão para o inferno. Será, então, que é quando terão a oportunidade de conhecer a criação máxima de deus?

SOCRÁTICO
Eu não nasci sabendo das coisas, claro que não. Fui crescendo e aprendendo, até cheger aqui hoje sabendo o que já se sabia: que nada sei.

AUTO-AJUDA
Não existe nada mais deprimente do que estes e-mails contendo arquivos PPS com mensagens positivistas. Já causaram muitos enforcamentos!

ENCANTO
O encanto está, às vezes, onde menos se espara e, às vezes, deixa de estar onde mais se imagina.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Desilusão

O que será de um ser iludido?
Um achado?
A ilusão não alimenta
Nem sequer inventa
Desconstrói!
Desorienta o sentido da vida.
Abre feridas
Desnorteia sentimentos
Muda a ordem do nada
Muda a desvalorização
Valora, por baixo!
O indivíduo desiludido
Fica escondido
Nem se expõe ao ridículo
Fica fantasiado
Foge da luta
Pelo que nem sente
Tateia o visível
Alcança o possível
Despretensão?
Desilusão!
Obs.:
Este poema surgiu do poema Ilusão, do blog Periódico Subversivo, de Aline Morais (global), como uma "brincadeira" de inverter as idéias do poema original. Foi publicado em primeira mão no Periódico e, agora, aqui. Não é um poema 100% meu, uma vez que se originou de um poema dela, é, portanto, uma espécie de co-autoria, então. Beijo, Aline.
O poema original, Ilusão, pode ser visto no blog http://www.alinemoraisfarias.blogspot.com/ ou aqui mesmo, logo aqui abaixo destas linhas aqui, ó.
__________________________________

ILUSÃO

Aline Morais

O que será de um ser desiludido?
Perdido!
A ilusão alimenta
Mais do que inventa
Reinventa!
Orienta o sentido da vida...
Seca feridas
Mapeia os sentimentos
Muda a ordem de tudo
Muda a valoração
Desvalorização!
O indivíduo iludido
Não fica escondido
Se expõe ao ridículo
Fica nu
Luta inocente
Pelo que sente
Tateia o invisível
Alcança o impossível
Pretensão?
Ilusão!

terça-feira, 23 de março de 2010

In verso

Ah, hoje não sai poema
Hoje não sai quase nada
Nem sob mira de força armada
Hoje poema é estratagema
De fuga
De gula
Engulo palavra sem dizer
Sem nem mesmo escrever
Hoje não to prosa
Hoje não to verso
Hoje to do avesso, to inverso

sexta-feira, 19 de março de 2010

Piscadela

Era tarde, fim de semana, tinha de ser. Tinha 13 anos de idade e cursava a 6ª série do primeiro grau no Ateneu Dom Bosco. Estava com o sobrinho da vizinha, tomando conta do pirralhinho que eu adorava (sempre adorei crianças) e fui levá-lo para a casa da avó, a vizinha. A casa ficava nos fundos de outra casa, ambas antigas, mas em estilos distintos, sendo a dos fundos mais antiga que a da frente. Tinha portas e janelas de madeira maciça com venezianas e, para o caso das janelas, havia aquela tramela, uma espécie de trava, que ficava do lado de fora para prender a janela, quando aberta. A janela era alta, a tramela era alta, consequentemente. O pirralhinho, a quem chamávamos de Chico Maraca, mas tinha o nome de João Daniel, saiu correndo atrás de uma barata e eu, instintivamente, me curvei pra correr atrás dele e evitar que pegasse a barata. Tummmmmmmmm!!! Meti a testa, do lado esquerdo, bem na sobrancelha, na tramela. Ergui-me tonto e, de repente, perdi a visão do olho esquerdo. Levei a mão ao olho e jorrava sangue. Reação imediata, sair de lá "calmamente" gritando "To ceeeeego, to ceeeego" e logo cheguei em casa. Éramos vizinhos de muro, mesmo. Minha mãe, já tendo ouvido o grito desde o nascimento, foi até o portão que dava entrada do alpendre-garagem para o quintal, viu a situação (nada bonita), segurou nos meus braços, olhou nos meus olhos (mas não sei se nos dois, já que um não era visível) e me disse, de forma firme, "Meu filho, você tem outro olho". Genial! E eu nem tinha pensado nisso. Eu tinha outro olho! Pra que me desesperar, então? Que besteira. Dizem que a mãe do Saci Pererê disse a mesma coisa pra ele quando ele perdeu a perna: "Saci, meu filho, você tem outra perna", e ele saiu feliz e sapeca pulando na perna restante. Comigo foi diferente a aceitação. Fui levado ao banheiro, sangue jorrando. Ao chegar ao banheiro, e minha mãe pedindo calma (afinal eu tinha mesmo outro olho), olhei-me no espelho e vi o estrago: sangue coagulado, sangue jorrando, a sobrancelha partida em duas, mas próximo do nariz, a um terço aproximadamente, e a parte externa da sobrancelha estava lindamente caída em cima do olho recíproco, que não era visível. Visível era, também o osso da minha testa. Não foi corte, foi rasgo. Soro fisiológico, lógico!, água limpa, algodão e, claro, muita calma. Minha mãe sempre teve muito jeito pra isso e, apesar da frase infeliz, embora realista, mantinha a calma e o controle. Foi limpando super hiper cuidadosamente, removendo sangue coagulado com a maior delicadeza possível e necessária. De repente sai um coágulo enorme, percebo luminosidade, ela limpa mais e eu exclamo "To vendo". Foi por um triz. Minha pálpebra chegou a se arranhar, mas o olho estava intacto... O osso da testa, também, e bem visível, branquinho. Pegamos o Trovão Azul, nosso fusquinha modelo/ano 1971 (ainda vivo) e, em caravana (por que? Não sei!) fomos procurar um pronto-socorro que fizesse um servicinho bom. Foi difícil achar, porque queriam que me dessem pontos dignos. Foram 3 camadas de pontos, 21 pontos no total. Hoje não dá pra notar, a não ser que eu mostre. Ficou perfeito e me dei melhor que o Saci.
O Chico, que tinha este apelido porque o pai dele tinha mania de colocar apelidos nos filhos que não tinham nenhuma correlação com o nome, era um menino lindo, inteligente. Nesta época devia ter uns 2 anos de idade. Cresceu, mudaram-se de lá para a Nova Suíça numa casa com quintal grande e árvore enorme. Estudava de manhã. A árvore grande começou a atrapalhar e tornou-se um estorvo. Que eu saiba ela estava apodrecendo. Foi contratado um jardineiro ou algo que o valha para remover a árvore. O Chico chegou da aula perto da hora do almoço, foi até a cozinha tomar água, tinha então 14 anos de idade, e saiu no quintal enquanto o homem trabalhava sem perceber sua chegada. Sem aviso, embora tenha havido a tentativa de aviso do irmão dele, um galho recém serrado se precipitou do alto da árvore e caiu bem em cima do Chico. João Daniel morreu! Seu irmão, que viu tudo, nunca mais voltou ao normal. Já se passaram 2 décadas e o choque permaneceu, anulou-o. Nunca mais os vi, embora tenhamos ocasionalmente contato com a avó dele, já com mais de 80 anos atualmente. O Chico, que era João Daniel, foi a primeira criança a que me afeiçoei de verdade, talvez expondo meu instinto paterno (e não fui pai, ainda). Me lembro dele é pequeno, quando era vizinho da minha casa, mas quando recebi a notícia me recusava a acreditar. Acho que ainda não acredito. Tem certos absurdos que são tão imbecis que é difícil de crer na co-incidência dos fatos, da simultaneidade. A isso se chama tragédia, perda, dor, lacuna.
Meu olho está aqui, intacto, perfeito, e a saudade também. Saudade do Chico e de tantas outras pessoas das quais já me despedi para o "além". Saudade, Chico. Piscadela de olho esquerdo pra você, moleque.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Perdição

Tudo a um só tempo:
foi-se o tempo,
escorreu pelo ralo,
voou pela janela,
caiu em cima do telhado,
entrou em coma.

A última coca-cola do deserto evaporou:
um oásis seco,
um Saara sem areia,
uma praia sem mar,
um homem sem lar,
uma bússola sem ponteiro:

Norte,
sul,
leste,
oeste,
noite sem lua,
dia sem sol.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Com fusão

Tentei mentir dizendo a verdade
Tentei sorrir enquanto chorava
Chorei no meio da gargalhada

Alma fúnebre
Enterra tuas dores
Alma lúgubre
Enterra-te soturna

Tentei partir enquanto chegava
Tentei vestir-me, mas me desnudava
Pelei-me de medo da coragem

Parti, por ti
Para longe daqui
Perdi, por ti
Comiseração e dó

Avesso

Preciso de um verso longo
Para dizer em verso
Justo o inverso
Do que verso
Contrário
Águas
Seca
Fim

Presentes

Presentes de amor são péssimos
Quando o amor se vai
E o presente fica
Vazio

terça-feira, 16 de março de 2010

Cansei-me

Cansei-me das minhas heresias
Quero perdão, quero paz
E menos rebeldia

Cansei-me de meus gritos mudos
Quero tocar, também compor
E mais instrumental

Cansei-me do cansaço que trago
Quero um trago de prazer
E algo mais fazer

Cansei-me de xingar deus e o diabo
Quero o perdão de Jesus na cruz
E olhos atentos de ateu

segunda-feira, 15 de março de 2010

Quem vê?

Você me atém
Você me tem
Você, quem é?

Eu sei você
Não sei você
Você, quem é?

Eu me vejo
Eu me faço
Você, quem vê?



Foto:
Angela Jonas Quinn (Beaulaville, North Caroline, USA)

Incertezas vice-versa

Eu não tenho as palavras certas
Eu não tenho as palavras
Eu não tenho
Palavras
Certas
Para dizer
Para calar
Decidir
Começar
Ou falir
Começar
Decidir
Para calar
Para dizer
Certas
Palavras
Eu não tenho
Eu não tenho as palavras
Eu não tenho as palavras certas
Obs:
Foto em homenagem ao Dalí, esse gatinho simpático que apareceu na minha casa e foi assim batizado pela peculiar mancha branca lembrando o famoso artista. Que esteja bem Dalí de onde estiver, já que aqui não ficou, cheio de incertezas felinas.

Apocalipticos

As noites provavelmente engolirão as pessoas em fogo. Está prometido! Será o fim dos dias. A data tem sido adiada periodicamente, de forma irritante, porque quem comanda o universo está por demais ocupado criando outro mundo, outro universo, outra humanidade. Arrependeu-se desta, pela enésima vez, registrado está em escritura sagrada. As noites que nos engolirão serão noites quentes, noites sem piedade, talvez sem eletricidade, as de verão.
As deverão separar no calendário os que tratam do assunto para os dias perfeitos do fim. É... ironicamente serão chamados de "dias perfeitos ao fim". Perfeitos para destruição da criação imperfeita? A humanidade, fanaticamente, quer um fim. Deseja, anseia, necessita em nome do altíssimo.
Altíssimo é quem bebeu demais e já não responde por seus atos? Um ébrio? Questionamento jogado ao léu... Não anseio por resposta.
Já que a humanidade anda, e há tanto, neuroticamente esperando, e criando, e delirando, e alucinando um fim, que seja então assim. Se furarem com a próxima data, se falhar o fim e a vida seguir irritantemente, não fiquem aflitos, uma nova data virá. Há quem a há de criar, montes de gente. Arranjarão novas explicações inusitadas, debilmente embasadas, mentalidades cada vez mais castradas.
Não se aflijam, meus filhos, o fim vem, sim. Uma hora tudo acaba.
Instrumentos a postos, em especial as trombetas! Qual é o tom? Qua é a música? Alguma sinfonia em especial? Pelo amor de deus, alguém ajude...

quinta-feira, 11 de março de 2010

Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas... Cora Coralina

Cora, Cora linda
Do peitoril de tua janela
Às margens do Rio Vermelho
Tecias versos em mente
Em margens
Depois de doces
Perpetuando a Vila Velha

Cora, Cora linda
Valentia e força viva
Rio de versos vermelhos de Goiás
Riscavas papel ou máquina
Em costuras
A tear escritos
Longevidade na altivez

Cora, Cora linda
És Coralina conhecida
Da janela ainda acenas, Ana
Lembrança não morre
Tua obra perpetua
Pensamentos de vida
Rio que passa e te leva ao mar

Cora Coralina, linda
Que em tuas rugas contou
Histórias, fortalezas de vidas
Encontro de palavras
Versos, in versos
Rio Vermelho, igreja doce, Anhanguera

Cora poetisa
Cora doceira, Cora forte
Que doce e poesia às vezes é o mesmo
Ainda que o doce cristalize
Ou a palavra amargue
Cora, Cora linda, poesia leva a mar.

Este nosso poema-homenagem a Cora Coralina encontra-se também publicado no site de literatura Vidráguas. Nosso muito obrigado a Carmen Silvia Presotto por nos acompanhar, compartilhar e também inspirar. Acompanhem em http://www.vidraguas.com.br/.

A casa que caminha (ode a António e seu projeto literário)

Esta casa aqui caminha
Esta casa ali caminha
Casa que semeia
Lugar de paz, loquaz
Novos habitantes traz
Sementes que se casam
Nascem versos, poesias
Plantações de algaravias
Amigos de palavras
Cumprimento das letras
Casa que caminha
Casa que aconchega

Vidráguas (ode a Carmen e seu projeto literário)

Abrindo portas ao palavrório
Delicado e fino como vidro
Escoam versos como águas

Convites intensos a falar
Deleites de conversas em versar
Vidros e águas

Artesãos da arte do vidro
Sopram palavras quentes
Artífices achados

Aceite intenso a novidades
Pode até conter aí raridades
Reflexos, vidráguas

Periódica subversiva (ode a Aline e seus escritos)

Ela é periódica
Intensa em querer
Imersa em falar
Escrever, e bem
Poeta inquieta
Subversiva
Insegura argúi
Se poeta é
Mas é, sim, e sabe
Periodicamente
Sabe-se inquieta
Subversivamente
Aquieta-te
Mas só por pouco
Ainda bem



Gravura/ilustração:
http://www.weno.com.br/blog/archives/jornal.gif

Marés e ressacas (ode a Fê e seu "Tides and Undertows")

Marés de lua,
Marés de mar,
Marés de rua,
Marés de amar.

Sobem, descem,
Oscilam com o tempo,
Só que em dois sentidos: tique-taque.

Hoje sorriso,
Amanhã choro,
Depois se revê tudo, e imploro:

Lua, cheia seja
A levar ressacas,
A trazer bons ventos, bom amar.

Marés de lua,
Marés de amar,
Ressacas passam,
E paixões renascem.

Pausa de bicho (ode a Gê e seu "bichodesetecabeças")

Bicho é assim, mesmo.
Por vivo, faz as coisas;
Por fazer, às vezes cansa;
Por cansado, se encosta.
Aí respira, toma fôlego.
Se se encosta noutro, bicho se excita.
Excitado, faz tudo de novo outra vez mais.
Daí é, sente, pensa,
escreve, fala e tem vontades:
sete pecados.
Cansaço, foi-se: é corte, recomeço;
Vive, até!
Bicho admirável, ressuscitou
com sete cabeças.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Sabores (homenagem ao Dia Internacional da Mulher II)

Quando em teus cabelos mergulho,
Faço com orgulho.
Ouço-te como a mais bela música,
Encanto, belo pranto

De sentimentos que fazes aflorar,
Fazes-me chorar
Ao ver-me tão teu: criado, criatura,
Resultado, emoção.

Co-partícipe da chama primeira,
Paro por ali: terreno teu.
Quando em ti penetro, no escuro,
Mergulho no paraíso.

É como entrar em santuário
Prazer, amor, criação, vulcão, erupção.
És energia primordial:
Mulher, beleza, serena força helena…

De origens que tens e dás,
Sereno ser, elo forte da vida, do mundo
De eterno admirar, querer,
Vislumbre de beleza eterna: mulher.

Este poema foi publicado em primeiríssima mão, como uma "trança de poemas", no site Vidráguas (http://www.vidraguas.com.br/), por idéia e iniciativa de Carmen Silvia Presoto. Um e-mail correu cidades, estados, países e resultou numa coleção de poesias e escritos que homenageiam a mulher neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Parabéns a todas as mulheres.
Participaram colaborando com esta idéia da Carmen os seguintes escritores, por ordem de publicação no Vidráguas: Carmen Silvia Presotto, Berenice Sica Lamas, Américo Conte, Ivan Bueno, António Amaral Tavares, Gerci Oliveira Godoy, Tânia Du Bois e Eugênia Fraietta.
Visitem o site e leiam toda a "trança".

Elo suave (homenagem ao Dia Internacional da Mulher I)

Marcha desenfreada
Sucumbindo à dor
A dar à luz do mundo
Novo ser
Novos seres
E alimentar, cuidar
Fortaleza delicada
Delicadeza intensa
Sexo forte
Norte, diretriz
Ai de quem te chamou meretriz!
Contrapõe-se à morte
Sendo criadora
Conjunta, par
Complemento humano
Ser divino
És mantenedora e suporte
Do feto, do afeto
De doce embalar
Elo delicado da vida
Elo suave,
Flexível, por isso forte
Delicado, dedicado
Alado, aliado
Sofrimento nem sempre reconhecido
Da dedicação superior
Quem há de contrapor
Ou questionar teu poder,
Tua beleza, teu amor,
Mulher.
Este poema foi publicado em primeiríssima mão, como uma "trança de poemas", no site Vidráguas (www.vidraguas.com.br), por idéia e iniciativa de Carmen Silvia Presoto. Um e-mail correu cidades, estados, países e resultou numa coleção de poesias e escritos que homenageiam a mulher neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Parabéns a todas as mulheres.
Participaram colaborando com esta idéia da Carmen os seguintes escritores, por ordem de publicação no Vidráguas: Carmen Silvia Presotto, Berenice Sica Lamas, Américo Conte, Ivan Bueno, António Amaral Tavares, Gerci Oliveira Godoy, Tânia Du Bois e Eugênia Fraietta.
Visitem o site e leiam toda a "trança".

domingo, 7 de março de 2010

Sou apenas

Sou apenas
Alguém que gosta de espaço
Apenas alguém
Solto no espaço

Sou complexidade
Sou e vivo na cidade
Amo o campo
Pela amplitude plena

Eu sou terra arada
Apenas e tão somente molhada
A germinar idéias
Semente, somente

Saudade mutante

Neste momento a cidade silencia e se prepara para amanhã. Hoje é domingo, ontem foi sábado, amanhã segunda. Se nada for modificado e as coisas seguirem na ordem desordenada, assim será, assim seguiremos, seremos, nos perderemos em meio às obrigações, cobranças, boletos e borboletas, porque será segunda e depois terça e depois quarta até voltar tudo, como no moto-perpétuo, que nem é perétuo, nem tão repetitivo. Diante do espelho nos vemos sempre, todos os dias, os mesmos e outros. A cada fração somos os mesmos e outros, convivemos com os mesmos e outros, velhos ou novos amigos. A metamorfose é o tempo: transforma, às vezes deforma, mas acho mais que enriquece. Às vezes entristece, pois nas metamorfoses que vivemos que nos são dadas viver há diversas com nomes e funções diversas: amor, conhecer, amar, dor, prazer, fome, desejo, apatia, alegria, choro, sonho, pesadelo e, ah, tantas despedidas. Acho que estas são as metamorfoses mais difíceis de viver, as despedidas, de gente viva ou mudada, gente que deixou de ser gente, gente que sofreu e minguou, gente que amamos e se deteriorou metamorfoseando-se pelas exigentes metas do mundo ou por paranóia pura e simples.
Sinto falta do acordar despreocupado, do café da manhã quentinho com leite, Toddy, pão com requeijão, carinho e uma vida pela frente. O quintal de terra, a mangueira, a jabuticabeira que floria sempre perto do meu aniversário e ficava cheia de enormes, doces e suculentas jabuticabas. Ah, não posso desmerecer a manga-três-anos, espécie trazida por meu pai lá das terras de Minas Gerais. Saudades das goiabeiras. De uma delas caí, aos quatro ou cinco anos, de cabeça, mas foi só susto. Saudades da bicicleta azul, último presente de natal que meu pai me deu com minha mãe, linda, Monark Dobramatik. Com ela me sentia conquistando o mundo, ainda mais depois que tirei as rodinhas, por ter me metamorfoseado em "equilibrista". Sinto saudades, saudades imensas e continuarei sentindo estas e outras, pois também as saudades sofrem metamorfose, mudam, se renovam, somam-se a outras saudades. Terei saudades de hoje, com certeza, e também de amanhã, provavelmente. A vida é movida pelo presente, impulsionada pelo passado e pela ilusão de que futuro há, quando tudo é presente metamorfoseado.
Hoje acordei de pesadelo forte, aos prantos. No pesadelo, saudades, algumas antecipadas, outras já presentes. Pesadelo foi sonho de vida, doído. Saltei da cama num pulo, pus-me de pé e não deitei mais. Aquele pesadelo agora, não. Que minhas tormentas dêem certo alívio e tempo, se é que me obedecem o querer. Talvez sim, talvez não.
Saudade do tempo que passou, do que fiz e não fiz, daqueles com os quais convivi, vivi, amei. Alguns ainda estão, vários já se foram. Um dia irei eu. Pra onde? Talvez lugar algum. E às vezes penso que a inexistência é a forma mais confortável de eternidade. Talvez um lugar onde existamos só em boas saudades, gostosas, com cheiro, tato, paladar e coração. Meta mor, metamorfose.

Olhar no espelho (reflexos)

Escrever é como se olhar no espelho,
Espelho mágico,
Que transforma as imagens
Em letras e palavras e frases,
Idéias postas, expostas,
Só em parte, pois quase tudo é metáfora,
Reflexo, reflexão pessoal, ideal
De quem vê, de quem lê,
Escolhe o que lê, entende ou não.
Imagens postas, visíveis...
Não só as que aparentamos
Na casca, superfície do nosso ser...
Talvez, e principalmente,
As que, às vezes, não sabemos aparentar.
Imagens codificadas, código mor,
Escondidas na clausura
Da alma de cada qual... Na alma, no fundo.
Escrever é, sim, catarse,
E o mundo todo é espelho, sim.
E nesse encontro das pessoas,
É espelho olhando espelho:
Encontro de vidas cortantes, quebradas,
Vendo-se vidro, atendo-se reflexo
Frente a frente ou de soslaio.
Depende da coragem de cada espelho-ser
Em se encarar refletido
Suportar a imagem do infinito repetido,
Reproduzindo a si mesmo nos demais
E aos demais em si mesmo.
Papel é espelho, caneta, interpretação,
Leitura é coragem, parte aceitação...
Pintura de: Artur Franco
Veja obras do artista em http://arturfranco1950.blogs.sapo.pt/2781.html?view=4829#t4829

sexta-feira, 5 de março de 2010

Dois em um

A dor só pesa
Mais que em peito alheio
Se o peito do outro
Não está contido em nós.

Se dentro do nosso coração
Pulsa o do outro
Pulsa o nosso, também.

Uma dor é a outra dor,
Um coração é, em certa medida,
O outro coração.

A isto se chama amor,
Que se chama chama.
Isto é junção,
Distante de ser com fusão.

Em ostras

Tu me atormentas
Ao acalmar minhas tormentas,
E crias-me outras,
E fecho-me em ostras.
Não quero que me atormentes,
Pois ator, mente.
Como atrizes, também.
E como.
Mentes as tormentas que crias?
Outras ostras,
Outras conchas.
Dizem que pérola, sem dor, não há.
Ah, tormentas!
Dizes o mesmo, pérola?
Foto: http://phoradakazinha.blogspot.com/2008/07/perolas.html

A cal

Amansa a alma, a calma
A cal amansa a massa
Reboco de parede
Em prumo sobe liso
Parede que divide, isola
Ensacola, separa
Parece que divide, mas não
Pois certa distância, une
No que o siamês se consome
A cal, acalma, é alma

De vagar

Perdoe-me por divagar
Fiz isto de vagar
Por horas incertas
Relógios que não adiantam
Vivo em atraso
Divago, vago pensar
Penso, penso
Penso tenso, devagar
Quase parado

quarta-feira, 3 de março de 2010

Poema do pecado

Minto
Menta
Dropes de hortelã

Sinto
Senta
Pode ser maçã

Carícias
Carências
Pode ser você

Malícia
Maléfica
Pode ser pecado

Suor
Torpor
Dois descabelados

Se pêlo
Que belo
Pode até ser pente

Se deus
Diabos
Bom demais amar
Foto:
http://muraldosescritores.ning.com/profiles/blogs/serpente-1
Este poema é mais um de nossos poemas publicado no site de literatura Vidráguas. Nosso muito obrigado a Carmen Silvia Presotto por nos acompanhar, compartilhar e também inspirar. Acompanhem em www.vidraguas.com.br.

terça-feira, 2 de março de 2010

Pai

Lembro-me de quando era pequeno
Lembro-me pequeno
Pouco lembro
Pequeno

Chorava por falta de pai morto
Chorava a falta de um pai
Morto por falta
Falta-me

A do rei

Lançaram aos céus os pratos,
O rei destroçou-os a tiros
Com a espingarda real:
A do rei.

O rei depôs, então, sua coroa,
Desceu do trono ao chão,
Foi ao nível humano,
Virou gente, até.
Adorei!

Abdicou ele da realeza, do reinado
Em benefício e prol da realidade.
Guardou fora até a maldade;
Agora era só homem real,
Sem poder ou rainha:
A do rei.

Críticos inclassificáveis

- Você leu este texto?
- Sim, li. Magnífico, não?
- Sim, magnífico.
- Mas falta-lhe uma definição, uma marcação, se conto, se crônica, se poesia em prosa. Assim não pode ser.
- É verdade, um descalábrio, escrever assim sem seguir à risca o que nós, teóricos, passamos a vida em categorizar.
- E ele ousa descategorizar-se!
- Sim, é como que nos desqualificar, ao descategorizar-se.
- Absurdo!
- Um abuso, uma afronta para conosco, os críticos.
- Sem a menor sombra de dúvida. Já nem sei se gostei tanto do texto. Estava aqui a pensar na crítica a fazer.
- Também eu. Falta-lhe um estilo definido, bamboleia, é e não é.
- Soa fraco, não é?
- Muito.
- Era mesmo este texto que tínhamos dito que haviamos gostado?
- Penso que não, nos equivocamos, pois este não tem estilo definido, tem estilo de querer ser misto.
- Difícil concordar com tamanho atrevimento. Vamos à crítica que irá ao jornal?
- Sim, claro, e que dizemos?
- Penso que "Texto bem elaborado, mas fracamente definido e, por si, indefinido, deixando um vazio, uma lacuna, uma falta de literalidade imperdoável a quem quer ser escritor."
- Acho que está bom, mas benevolente. Eu afirmaria que nem é escritor.
- É verdade, mas sou mesmo um crítico benevolente.
- Se queres ser assim, está bem, mas eu pegaria mais pesado. Há de ser um conto ou crônica ou ensaio ou poesia romântica ou poesia concreta, mas algo definido. Ser simplesmente um texto, ainda que bom, supondo que o fosse, não dá.
- É isto, não tem futuro, já que não se classifica.
- Vá, pode mandar pra edição que será publicado amanhã de manhã. Mande logo.
- Ok. Mas pegando o gancho da conversa, ouviu este CD que te emprestei?
- Sim, ótimo, me arrepiei todo com os arranjos, o virtuosismo, a inspiração, a agressividade contida e mesclada com suavidade.
- Senti o mesmo, sabia que irias gostar.
- Que é? É jazz?
- Não! É um misto de jazz com rock com clássico com progressivo e tonalidades de canto gregoriano antagonizando com o instrumental às vezes ácido com fusion, enfim.
- Ah... É, muito bom mesmo, excelente esta mistura.
- Ainda bem que não somos críticos musicais, senão teríamos que dizer que não gostamos de um CD tão genial.
- Aliás, falando nisso, vi uma crítica falando muito mal deste CD, dizia que lhe falta um estilo definido e, sendo assim, não poderia ser música.
- Mesmo? Que absurdo! Que falta de ouvido.
- É, tem gente pra tudo neste mundo das críticas. Não sabem simplesmente admirar, têm a compulsão de classificar.
- Não somos assim, somos?
- Claro que não, somos justos, apenas, e entendedores da escrita. Jamais fomos injustos.
- É verdade, até me sinto aliviado de que compartilhes comigo esta opinião.
- Imagine, sei que tens bom senso, com eu.
- Vamos ouvir o CD?
- Sim. E se quiseres, podemos ler aquele texto de novo.
- Qual?
- O que criticamos. É sem estilo, mas algo me faz chegar a ele de novo e tentar extrair algo mais, embora nem possa ser considerado literatura.
- É, vamos ler, sim, e escutar o CD.
- Agora vê se fica quieto, começou a tocar, olha que primor.
- Psiu! To lendo, fica quieto também.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Vôo raso, andar

Fiquei rente ao chão
Não me arrisquei a voar
As asas estavam doídas
E o pensamento devagar
E deveria divagar
Que são as duas formas de voar
Fiquei em terra firme
Rezando por nenhum terremoto
Desses de dentro
Ou daqueles de fora
Queria serenidade e força
Vento brando ou tempestade
Tanto faz
Se não destrói
Só acaricia, é bom
E ainda que não voe hoje
Resta andar avante
E ainda assim ir-se longe
Vôo amanhã
Vôo depois nas nuvens
Mesmo em só pensar
Aliás
Nem é preciso voar tanto
Para ir-se longe