domingo, 19 de dezembro de 2010

Finestre

Os olhos são as janelas da alma... Mas há olhos em que é melhor não olhar, não arriscar um trauma ao ver paisagem tão podre, tão pobre; hecatombes onde deveria haver seres humanos, vidas.

Os olhos são as janelas da alma... mas há gente sem alma. Normalmente são cegos, normalmente estes nem fitam nos olhos ao conversar. Desviam o olhar, baixam o rosto, são paranoicos... e atacam na surdina.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

O homem ferido

O homem ferido anda,
anda devagar,
manca,
cambaleia,
às vezes chora.

O homem ferido tem
suas feridas expostas
sem a certeza
de que irão cicatrizar.

E tem também
as cicatrizes velhas,
altas e feias,
limitadoras de movimento.

O homem ferido caminha,
mas num ritmo
diferente e contido,
meio que aprisionado
no medo.

Medo de que
um movimento mais rápido
ou alguma ousadia
lhe tragam mais dor.

O homem ferido
caminha querendo se sentar...
Sentar-se e esperar
que a dor passe,
que as dores passem,
as do corpo e da alma.

Mas o homem não está ferido,
Não!, ele é ferido,
é ferida,
é dor,
é clamor.

O homem ferido
fita nos olhos
diretamente
como quem clama,
como quem chama.

O homem ferido
olha com a maturidade
do olhar de uma criança
recém descoberta
em meio a escombros.


          Pintura:
          O Homem Ferido, de Courbet, 1844

sábado, 4 de dezembro de 2010

Passo

Passa o tempo,
passa vida,
passa a hora,
passa quatro,
passam montes,
passam pontes,
passa o passo.

          É passo seguinte.

Passa passado,
passa presente,
passa futuro,
passa-se roupa,
enruga-se a vida;
passar o presente?,
passar que se tente.

          Avante passar.

Passa noite,
passam amores,
passam chances,
aperta o passo,
é passo a mais,
passa tropeço,
passo, levanto.

          É passo, é seguir.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Um trago, um traz...

Traga-me um pouco da sana insanidade
Da responsável irresponsabilidade
Da tortuosidade reta
Da travessura de um trago, um gole... e curvas
Nada certinho demais, senão enjoa

Traga-me o trago que trago e o seu trazer
Uma pitada de cachimbo da paz
Um gole de uma bebida a degustar
Um cheiro bom, um chamego, um aconchego
E pode ter abundância em liberdade

Traga-me a fala solta e espontânea
Sinal de vida, vontade, compreensão, novidade
Traga-me pimenta saborosa, suor
Ponhamos tudo no prato e nos deliciemos com o sabor
Seja assim bom o tempo que for

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

À porta

Uma senhora de aparência estranha e desagradável chegou à frente da casa e ali se instalou como se fosse espaço seu, parecia estar do lado de fora, depois pareceu crescer e envolver a quadra. Demorou um tempo até que me desse conta de que foi minha percepção que cresceu, a visitante era gigante, sempre o fora, e não era uma senhora, nem tampouco visitante... Estranho ser. Grande o suficiente para englobar tudo e o que for além. Insana, maldita... Loucura!

Loucura, então, beteu à porta, mas não atendi. Pobre inocência a minha! Loucura não precisa de portas abertas para entrar ou sair ou dominar o que for: as mentes, as corporações, o modus vivendi reinante, a hipocrisia dominante. Ela não invade, é convidada. Passa pelas frestas, atravessa paredes e toma formas mil, formas vis.

Não é aquela loucura vista nos manicômios, tão pouco e mal compreendida, via de regra inofensiva e estereotipada, é a Loucura da vida, do mundo, das sensações das ditas pessoas normais. É uma núvem, uma névoa, um tufão, e em constante mudança. O mundo, assim, vai-se cegando. Delírio! Relações frias, esfriamento global, sufocamento, vendas nos olhos à venda, tudo à venda.