quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

A Criação do Alfabeto...

E assim surgiu o alfabeto:
O A surgiu primeiro e, talvez até por isto, chegou trazendo Amor, mas trouxe também Aflição e Angústia.
O B veio em seguida, encantado pelo amor do A, e assim surgiu a Beleza deste primeiro encontro.
O C chegou trazendo o Coração a bater forte, trouxe o Carinho e enlaçou A e B.
Distante veio o D, imprimiu ali o Desejo implícito, que precisava de se manifestar e se manifestou... Desvairadamente. Duas sombras acompanhavam o D, sombras sinistras, aparentemente antagônicas. Um arrepio atravessou o mundo todo, e o alfabeto também o sentiu. As sombras ficaram a observar e só, ao que parecia, mas havia algo de ameaça, tanto em uma como na outra sombra.
Então veio o E a pôr Encantamento e Entusiasmo nesta vida alfabética.
Finalmente a Fraqueza se fez presente com a chegada do F, trazendo também Franqueza, essencial, se bem utilizada, e com sabedoria, que só chegará mais adiante. A Fraqueza era necessária para harmonizar este mito de amor básico.
O G então chegou prometendo Glória, mas deixou escapar Ganância. Com o D, promoveu a Discussão do "ponto G" feminino, mas as Discordâncias já existiam, com o D. Mantém-se a Discussão. As sombras provocariam várias discussões, mas mantiveram-se quietas, fingindo-se de alheias, embora em nada o fossem.
O H chegou meio atônito, sem saber a que veio. Instituiu o Hiato para por um tempo necessário para que se descobrisse seu uso. Pouco pronunciado, viu que um Helicóptero não voaria sem ele, e viu também que estava no aconcHego, no cHamego e, enfim, se sentiu um Herói. Viu, também, que todo Hoje dependia dele e sem hoje não há presente, não há nada, pois que futuro e passado são só presentes deslocados do agora.
O I trouxe a Idéia do Infinito, ainda que Ínfimo, contrapondo-se ou complementando o Finito que já havia chegado, e todas as outras Idéias. Trouxe também a mim, dando-me o nome de Ivan. Sem o I eu não estaria aqui escrevendo, embora já fosse Bueno desde a gênese desta fábula.
Já o J trouxe o imediatismo do Já, e colaborou com a Angústia que o A trouxera e que foi agravada pelas sombras que acompanharam o D. O J, devo dizer em complemento autobiográfico, que seria genealogicamente bem maior, a tirar dentes de quem pensa, pena ascendência paralela, também me forma, implicitamente, no Jonas que trago nas veias e no coração.
Do K falaremos mais adiante, que aqui ele sofreu meio que uma metamorfose kafkiana. (ando meio fascinado com Kafka!)
O L trouxe Lamúrias e Lamentos, e as sombras se mostraram sadicamente felizes, as sombras do D, mas trouxe também a Lamparina, para iluminar os estados de espírito. Disso as sombras não gostaram, mas é patente que elas não estão neste mundo para resolver ou facilitar as coisas. Ah, e não se pode negar que o L trouxe a Lambida, que tanto prazer dá no Amor.
O M trouxe a Morte e, então, todos compreenderam a Escuridão e a Finitude. Passou-se, como nunca dantes, a se questionar o Infinito e a própria Existência, trazidas antes. O M ficou a se Mover com Inquietude, pedindo ajuda ao C, com sua Compreensão. Mas da Morte nada se compreendeu até hoje. A Morte, soube-se, era companheira das sombras que vieram com o D, meio que as obedecia, era criação e criatura, de existência incontestável, dominante, reinante. Era a rainha das divindades.
N trouxe o Nunca, com pouca convicção, aparentemente. Trouxe o Nada e instaurou, junto com o M da Morte, uma Apatia e um Medo que tomaram conta como Nunca.
A Indignação ficou em alerta e, encantoando o D, perguntou: "E Deus?", ao que o De respondeu: "Como o C, nada Compreendo, nem de Deus, nem do Diabo, nem das Catástrofes, Doenças, Desgraças, Infinitudes e Mortes. Tudo Desconheço!" Estavam desmascaradas aquelas sombras que se omitiam a tudo. Deus e Diabo, que raios! E a Morte, serva de ambos companheiros de rixas, apostas e disputas pelo mundo, o todo e o alfabético. A Morte ficou calada, pois era pau-mandado, e se aconchegou na Escuridão, trazida pelo E, já a um bom tempo.
Daí veio o O e Outras coisas trouxe para mudar o foco negativo. Trouxe o Ovo e a pergunta de quem surgiu primeiro, se o Ovo ou a galinha, esta vinda com o G. Mas o O também se achegou, com intimidade intrometida, à Individualidade e mostrou que há sempre Outros a se levar em consideração e respeitar. A Individualidade teve que se explicar positiva e se dizer antagônica do Individualismo. Era só confusão lingüística.
O P então trouxe o Poder, e este, mal usado, a Podridão e a Pobreza. As sombras vindas com o D adoram o Poder, mas o bom uso é algo que a elas falta fazer. Usam-no por prazer. Poder pelo poder. Do poder surgiram Príncipes e Princesas, e o I não conseguiu conter o Imaginário e a Ilusão, tão Perigosos. O C, então, deixou cair da Caixa que trouxera Contos de fadas e verdadeiros Cúmulos praticados pela Humanidade (sobressaltou-se o H!), tendo o Poder como base. O P, vendo aquilo, exclamou: "Puta que os pariu!", e ficou mesmo Puto, pois era letra de pudor.
"Que é isto?", exclamou o Q já de chegada, e se estranhou com o O, como quem via a si mesmo, faltando o rabinho... E ao pensar em rabinho voltaram todos a pensar em Deus e no Diabo, aquelas sombras poderosas e reluzentes onde a luz havia e se extinguia. Não era possível compreendê-las, ou é o mesmo que é impossível compreender a Deus e o Diabo. Eles, ambos, pouco preocupados estão em serem entendidos. Basta-lhes o poder de poder o que quiserem, ainda que sadicamente. De novo se ouviu: "Que isso?! Jesus nos salve deste verdadeiro Quartel!", mas Jesus, pobre dele, morrera a mando de Deus e em tentações demoníacas. Disse-se que salvador, mas sua vida foi mesmo trágica e não se sabe, se bem se observa, o que ele salvou.
Chegou o R e se aproximou tentando impor Respeito, mas ele trouxera também a Raiva, que se contrapôs à Calma, que ali, há tempos, já tentava se fazer ouvir.
O R percebeu, então, que fosse como fosse haveria por ali e por toda parte alguma Revolução e Revolta. Divindades em glória.
Eis que surge o S, todo elegantemente encurvado, e bradou: "Eu trouxe a Solução!", mas a frase é Sintomática de Soberba. Na verdade pouca solução há para o Caos, que tão cedo já havia chegado. A Criação, de C como Caos, já veio com Caos, embora carregue a propaganda enganosa de por ordem no universo, ainda não citado. "Sejamos Sinceros", disse o S, e nisto foi feliz, mas a Incapacidade já rondava alguns. E ainda certo de seu Saber, o S disse: "Eu trouxe, pois, a Sabedoria. Saibam utilizá-la e tudo terá boa Solução." Mas a um pequeno descuido lhe salta da sacola uma bela e tentadora Serpente. Na escuridão da sombra das sombras das divindades percebeu-se risos irônicos, sádicos e cheios de prazer por aquele poder. A Serpente era, em certo contexto, pau-mandado a destruir com o Paraíso que Deus disse um dia ter existido e Adão e Eva já eram seres errantes, pois criados à imperfeição do Pai, e sofredores, como toda a humanidade subseqüente. O H encheu-se de si ao ver todos em estado de Hipnose, pela serpente, e também pela citação da Humanidade. Até ele próprio se Hipnotizou. O S sentou-se, cheio de Saúde, mas algumas vozes lhe perguntaram: "O que sabes de Satanás?", mas ele fez uso do Silêncio, e com Sabedoria, devemos admitir. Não se diz o que se sabe de Satanás, o tal Diabo, nem tampouco de Deus.
O T, ali chegando, disse que: "Por fim, aqui se terá Tudo!", e vários se sentiram alegres, mas poucos foram os que se deram conta de que o Tudo não era o Bom, como advertiu o B. O M, ainda ressabiado pela foice que com a Morte trouxera, nada disse sobre o Mal. Estava em Tudo, implícito, o sabia. A Serpente acabaria, como já o indicamos, ainda que inocentemente, sendo Acusada pelo A... e pelo Deus que o D dizia conhecer, mas era por temor. Era temente, como vários viriam a se tornar. E é mesmo de temer e ser temente, pois é perigo que carregam as divindades, sejam quais forem, sejam politeístas ou monoteístas, dá tudo no mesmo.
O U achou que era o Último, e todos se riram dele, a começar pelo R. Viu que trazia Ungüentos e os distribuiu com a melhor das Intenções, deixando o I e tantos outros satisfeitos. Não conseguiu, no entanto, se aproximar da Morte. Ali, onde ela atuava, parecia que os Ungüentos de nada serviam. A Dor é que era amiga íntima daquela que carregava a foice e era arredia a todos, embora fosse estranhamente íntima de todos. Embora não corresse atrás, todos se sabiam ameaçados por ela.
Chegou o V e disse ter trazido a Vida, mas a Morte, quieta em seu canto, sorriu maliciosa e cinicamente como quem pensa, sem precisar dizer, "Com isto eu acabo fácil!". E o V, ainda eufórico, disse: "Eu trouxe a Vitória!", mas dito isto deparou-se com o D a lhe esfregar nas fuças a Derrota, para encantamento e desbunde das sombras das divindades reinantes, sempre reinantes. O D era arrogante, às vezes, e talvez por acobertar Deus e o Diabo. V e D, enquanto simples letras, neste momento, calaram-se em contraponto de Vitória e Derrota. Eram conceitos relativos, afinal. Faltou-lhes Argumentação, que o A deixou guardada pra si, mas não por maldade, coisa do M, mas por não saber abordá-la. O S ainda percebeu o angustiante Silêncio que se fez e percebeu o movimento sinuoso da Serpente, mais uma vez. Aquele Silêncio mostrou ao S, e a quantos prestaram atenção àquilo, o quanto é ele, o Silêncio, angustiante. Vitória e Derrota, dominadas por Silêncio de Morte! Ali ainda ficariam e ficarão por uma Eternidade, se esta se fizer valer.
O W chegou sem estardalhaço, sem sentido, como que um simples M de ponta cabeça, e nada mostrou aos demais.
Xingamentos foram proferidos, rompendo o Silêncio da Morte, e todos se viraram para ver o desbocado X, que chegava com Xícaras de chá para acalmar os ânimos. "São chás de 'hervas', vajam!", disse o H, prontamente corrigido pelo G da Gramática e pelo O da Ortografia, ainda um tanto contrariada pelas ridículas modificações que, no Português, sem nenhuma necessidade, lhe impuseram.
Chega o Y e se junta ao K e ao W, que ali ainda não se sentiam confortáveis e nem realmente úteis. Eram como estranhos, "Yes!".
Aparece, por fim, o Z, satisfeito com aquela Zorra que ele, sem que o soubessem, já tinha ali plantado antes mesmo da chegada do A. Zombou de todos, com o consentimento das sombrias divindades, Deus e Diabo, e deliciou-se. Deu uma piscadela para a Morte, pois, por ser a última letra, era como se fossem uma coisa só: Fim, Morte, tudo igual. Fim, aliás, que o F omitira por Medo da Morte. "Armagedom, Apocalipse!", gritou o A em desespero, sem ter se apercebido daquelas coisas de A. Mas assim era desde A criação.
E formou-se, assim, o alfabeto confuso e entrelaçado, como é o próprio mundo. Viram as letras, com um pouco de Atenção, já vinda com o A, e tantos outros predicados, que eram interdependentes entre si. Mas isto não significou o triunfo da Paz ou da Sabedoria. Como bem disse o C: "Isto é só um Conhecimento, e nada mais." Conhecimento que vitimou a humanidade, quando tomou ciência do bem e do mal (pobre Serpente!).
E era da vida que se falava ao falar o alfabeto, ainda que não o saibam suas 26 letras. São meros instrumentos. Deus e o Diabo é que cravavam, com a Morte, os destinos de todos. "Isto para os que Crêem!", gritou lá de longe o C e deixou um eco para as cabeças pensantes.

Escrito em:
20/09/2009 (03:45h) e modificado na pré-postagem

8 comentários:

  1. Uma graça, este alfabeto, viu...
    Parece que você tomou suco de palavrório, Dr.Ivan.
    Você é muito criativo...me lembra aquela idéia de que uma palavra puxa a outra e assim vai indo.
    Abração,tá..........

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  2. meu deus, que criatividade! hahaha
    eu não conseguiria fazer melhor.
    suco de palavras, todas misturas, mas todas com significados.
    é... as vezes não é necessário criar frases pra que algo tenha sentido. :)
    parabéns!

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  3. Baixou um Santo, junto com a chegada do S, e me ajudou a fazer a Sopa de Significados. (rs...)

    Beeeeeeeeijos.

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  4. "Isso é muito profundo,
    mais fundo do que o mais fundo do meu fundo.."
    (Ivan Bueno)

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  5. Ai, Aline!
    Isso é a postagem que eu vou postar (e ainda não postei) no blog da Gê, o famoso, renomado, idolatrado, salve salve Bichodesetecabeças. Não invalida, mas deineditiza. (rs...)

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  6. Mas vc deve postar!
    Afinal frases boas devem ser repetidas e citadas sempre...
    As palavras, frases, poemas, enfim tudo isso é o grande ganho que nós leitores temos e a grande contribuição que vcs escritores dão para o planeta...O que vc escreve não é mais seu é nosso e é do mundo e é MEU...rsrsrs
    Afinal parafraseando outra escritora muito boa:
    "tem coisas minhas, que eu te dou, que só são minhas para eu te dar e não para serem minhas.
    tem coisas minhas que sempre foram tuas e, mesmo sempre sendo minhas, eu não possuia.
    tem coisas minhas que nem eram minhas antes de eu dá-las a ti.
    tem eu que sou porque te dou. "(Eugênia Fraietta)

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  7. Grande escritora, essa Eugênia Fraietta. Além de escritora, é minha filósofa contemporânea predileta.
    Já postei, pouco depois que você pré-postou aqui. E esse escrito da Gê ficou mesmo muito bacana.
    Ainda acho esquisito ser chamado de escritor, mas concordo que, depois que posto algo, estou abrindo portas para o mundo, e o meu Portas Abertas diz que é assim que gosto.
    Beijão.

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