domingo, 27 de junho de 2010

Degradê

Gostavam-se tanto, amavam-se tanto que o odiarem-se era também inevitável, mas sem o maniqueísmo redutivo dos extremos. Há nisto um grande degradê de sentimentos e vivências.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Do falar...

Não falar com o olhar ou não falar com o corpo faz do falar com a boca algo mais inútil que o silêncio. A expressão que vem da alma pode, sim, passar pela boca, mas ela só tem valor se ratificada pelo olhar, pela respiração, pelo corpo, pelo toque....

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Busca

Há quantos céus?
Tantos a se santificar em véus!
Já nem sei quem sobe ou desce,
Já nem sei qual a melhor veste.

Visto-me de mim,
Daquilo que me conheço,
Daquilo que desconheço em mim,
Em meio ao emaranhado-eu.

Tento solos, tento saltos;
Salto solidão, tento parcerias
Tento paixão e quero amor
Tento não guardar rancor.

Há quantos eus em mim?
Tantos quantos há de céus?
Pra qual irei? Quem serei?
Sigo por aí em busca de mim...

Pêndulos de Cronos (uma poesia a quatro mãos)

Sincrônicas mentes
Entre palavras
Deslizam
No ponto zero da leitura

De um lado,
Olhos
Do outro,
Dedos
Momentos, encontros
Amor de poesia


Palavras
Sincrônicos dedos
Que vêm, vazam, voam
Versam do zero ao cem

De um lado,
Dedos
Do outro lado,
Olhos
Enlaces
De poesias de amor

Sincrônicas mentes
Não mentem
Ratificam
Palavra que vai e vem e vai...

De um lado,
Lado,
Do outro lado,
Lado também
Dedos e olhos,
Uma só coisa

Sincronicidades
Cidades e vidas
Dedos, idéias, esbarrões
Lá e cá é tudo terra e céu

Pecador e pecadora
Do falar
Tecer e ler
Pêndulos de Cronos.

          PS:
          Poesia feita a quatro mãos por mim e Carmen Sílvia Presotto (de Porto Alegre, RS - do site literário Vidráguas). Ela iniciou com as duas primeiras estrofes, fez-me a proposta, dei sequência nas estrofes seguintes, mandei a ela que, nas palavras dela disse "alisei algumas palavras, mas se mexermos mais estragaremos..." Aí está o resultado, aqui no Empirismo Vernacular e lá em Vidráguas (
www.vidraguas.com.br), onde há também vários outros poemas meus e de tantos autores mundo afora publicados lá por ela. Sempre obrigado, Carmen.

domingo, 20 de junho de 2010

Pelica

Luvas de pelica nunca foram tão bem utilizadas no mundo quanto nos textos de José Saramago. E quantos rostos sentiram-se atingidos! Não foram poucos. A dimensão do incômodo que seus textos geraram são diretamente proporcionais às verdades que disse e que continuam e continuarão vivas a ecoar na mente dos encarapuçados.

Obs.:
Fiquei "tocado" com a manifestação do Vaticano, por meio de sua imprensa oficial, o L'Osservatore Romano, difamando e desrespeitando Saramago e sua obra. É a magnânima "bondade divina" representada pela Igreja Católica e tantas outras igrejas regurgitando suas próprias falas e desrespeitando uma mente de quem, com todo o direito que todos têm, escolheu ser ateu. As palavras duras e "divinas" do vaticano não deveriam chocar, mas chocam. Na verdade também ratificam todas as críticas que Saramago fez à Igreja e ao conceito inventado de Deus. Saramago nunca matou ninguém, foi homem bom e íntegro... e a Igreja Católica, o que tem a dizer sobre tantas mortes e assassinatos feitos? Leiam a matéria de A Folha de São Paulo na íntegra pelo link a seguir:
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/753918-vaticano-chama-saramago-de-populista-extremista-e-ideologo-antirreligioso.shtml.
Santo Papa, santo "deus", "santas" palavras estas e tantas outras do Vaticano. L a s t i m á v e l.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

A flor mais grande do mundo (homenagem a José Saramago)



Como que com nome de flor, com cheiro de saudade, hoje a literatura fica mais pobre com o falecimento do nosso genial José Saramago, aos 87 anos de idade. Único prêmio Nobel de literatura da língua portuguesa, é motivo de orgulho não só para nós, amantes da língua portuguesa, mas para toda a literatura mundial, por seu estilo único, por sua ironia bem dosada, por seu senso de humor mascarado em tapas com luva de pelica.
Saramago é meu fiel amigo há anos, desde aproximadamente 1994, nunca tendo me deixado só. Presente na estante, presente na mesa de cabeceira, presente diante dos olhos, presente nas minhas ideias, presente ganho quando o descobri e se tornou meu autor contemporâneo predileto. Não perdia uma entrevista dele e em 2008 quase me esbarro com ele em São Paulo, mas foi só quase. Este meu grande amigo não me conheceu, mas eu mergulhei em diversas obras dele, incluindo os ditos diários Cadernos de Lanzarote, nome derivado do local ode vivia nas Ilhas Canárias com sua mulher Pilar.
Logo ao abrir a Folha de São Paulo Online fui surpreendido com um slideshow incluindo fotos de José Saramago por ocasião do lançamento do livro Caim, em 2008, em Lisboa. Primeiro vi as fotos sem ler, gostei de vê-lo, mas logo li o título acima "Morre aos 87 anos o escritor português José Saramago". Meus olhos lacrimejaram de imediato. Poucas mortes de personalidades me comoveram tanto e ainda escrevo sob este efeito, um tanto adormecido e, por que não dizer, enlutado.
A literatura hoje entra em luto, e ainda que alguém não tenha lido Saramago, se ama a literatura, há de se enlutar pela sua originalidade, riqueza de temas, força e estilo, caráter e simpatia. Saramago deixa um legado magnífico. Já li aproximadamente 15 livros de sua obra, e ainda há mais o que ler, muito mais, e reler. Saramago deixa órfãos tantos e tantos, como eu.
É inevitável que lágrimas escorram e caiam sobre este solo, mas não inutilmente. Cai e umedece o solo, enriquece-o, faz florescer o que foi germinado dentro de seus leitores mundo afora. Nós, brasileiros, temos muito a agradecer a Saramago, sempre tão solícito e amável para conosco, tão amante de nossos grandes escritores, como Jorge Amado e Chico Buarque, para citar apenas dois. Um escritor português é também um nosso, pela nossa admiração e adoção.
Há poucos dias, mais precisamente no dia 13 passado, fiz uma homenagem aos 122 anos de Fernando Pessoa. Passados 5 dias, perdemos nosso querido Saramago. Ele, que homenageou e reverenciou Pessoa em diversas ocasiões, mas em especial no extraordinário romance "O Ano da Morte de Ricardo Reis", uma magnífica viagem por Lisboa, pela história e por meandros da mente humana por onde se passa quando se lê Saramago.
Sinto-me órfão, um pouco mais órfão. Sempre desejei ter um livro autografado pelo autor, mas agora percebo que o autógrafo já foi dado há anos e está indelével no coração deste leitor e admirador de seu estilo e de seus pensamentos. De alguma forma, há vida após a morte. Está aqui uma prova, como tantas que a literatura, a música, a pintura e as artes em geral nos dão. Saramago fica como A Flor Mais Grande do Mundo a nos perfumar com suas obras e seus pensamentos.
Obrigado, Saramago. Obrigado por tanto que nos deu, por tanto que nos deixou. Ficamos órfãos, mas com uma herança literária e humana tremenda. Que siga em paz... Ou deveria dizer que sigamos em paz?

"O mundo é tão lindo e me dá tanta pena de morrer
frase dita pela avó de Saramago e contada por ele em uma entrevista dada ao repórter Edney Silvestre em 2007.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Fim da linha

E as linhas que eu escrevia
iam sumindo
antes de chegar ao fim da linha,
como se a tinta da caneta
estivesse se acabando,
mas não,
a caneta estava cheia.

Na próxima linha,
cor forte, traço firme,
a idéia seguinte, mas novamente
as linhas iam sumindo ao final.

Parecia que, por vontade própria,
não queriam mostrar por completo
seus segredos.
E da mesma forma
que ocorria com cada linha,
foi ocorrendo a cada nova linha,
a cada nova estrofe,
ia sumindo e sumindo e sumindo.

Ao final do poema
a caneta parecia seca,
mas não estava. Aceitava rabiscos,
desenhos à toa, qualquer coisa,
menos a escrita daquelas idéias,
a exposição daquela vida,
daquela intriga, daquela intimidade.

Ao ponto final, nem sinal
em baixo relevo ficou no papel.
Sumiu tudo.
Era seca de poesia,
era o fim da linha...

Ata-me

Olha-me nos olhos, não desvia.
A melhor conversa começa assim
Na penetração de almas que não se esquivam,
Que se mergulham e se declaram.

Olha-me nos olhos, não fuja.
A melhor relação continua assim
Na penetração das palavras e das ideias tidas,
No toque do olhar, da fala, da pele.

Olha-me nos olhos, mova-se(me).
A melhor atitude é demonstrar-se
Na penetração das intenções a serem claras.
Olha-me, toca-me, ata(ca)-me.

Dilem...edo

Duas relações ruins
Projeção em mim
Não sou dois, não sou ex, sou um

Pés atrás, olhos furtivos
Medo explicitado, fuga
O tempo passa, a gente se enruga

Trauma, dilema, trema
Vou, não vou, fico?
Pensamento a te dominar, parar

Duas setas, bifurcação
Estamos indo ou vindo?
Tic tac, tum tum, pow!

domingo, 13 de junho de 2010

Oh, god!

E dizem que a prece apressa a audição de deus em relação às nossas lástimas. Às vezes acho que lhe falta trocar as pilhas do aparelho auditivo.

Pessoa poética

Fertilidade poética e imaginativa,
Enveredou-se pela escrita sendo um em diversos.
Retornando múltiplos a um em versos,
Nunca deixou de lado a tratativa com o rigor à forma.
Andou trôpego, mas a apontar verdades,
Notando mais que a mediana visão mundana afora.
Dom da escrita em criação: tonalidades,
O mestre da poesia portuguesa, sem exceção o fora.

Porte de pessoa garbosa tinha ele, pois,
E era, de per si, Ricardo, Álvaro ou mesmo Alberto,
Sem, no entanto, deixar de ser só pessoa.
Simulou a multiplicidade em heterônimos, aberto.
Oscilou pelas ruas de Lisboa e da África,
Atingiu o mundo: "drama de gente", poesia, Pessoa.



Obs.:

Em 13 de junho de 1888 nascia em Lisboa, Portugal, um dos maiores poetas da língua portuguesa (com a disputa acirrada com Camões), há 122 anos atrás. Viveu na África do Sul com a mãe, na infância, onde aprendeu Inglês e compôs poemas neste idioma, depois tendo retornado a Portugal. A expressão "drama de gente" era usada por ele próprio para se autodenominar.

Busca sem hora

Às vezes não é o momento,
Às vezes não é a hora;
E o que fazer agora se o agora se foi faz tempo?

"Quem sabe faz a hora, não espera acontecer"...
Triste utopia de tempos idos,
Triste utopia de ídolos mortos!

Esfrego meus olhos e me vejo,
Mas será que me enxergo?
Esfrego o espelho como que lâmpada mágica...

Gênio nenhum, só brilho.
Fico mais nítido em imagem;
Continuo nublado, em fog, nos pensamentos.

Me busco, te busco sem parar;
Quase toco teus seios distantes...
Díspar, minha cama permanece vazia e firme.

E o momento, qual foi?
Perdi o encontro histórico?
Recuso-me a acreditar no fatalismo. Sigo!

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Boa fala

A boa fala é aquela que nos faz falar bem ou, melhor ainda, aquela que nos cala.

Desconexo

Às vezes me sinto
Às vezes me sou
Questiono a vida
Questiono a mim

Desato uns nós
Outros mais emaranho
Tento simplificar
Mas é tão complicado
Tento ampliar
Mas é tão limitado

Às vezes me minto
Às vezes me vou
Questiono o caminho
Questiono onde estou

terça-feira, 8 de junho de 2010

Desencontros furtivos

E a noite que parecia que seria alguma coisa,
foi nada.
E o dia que não prometia nada,
rendeu um encontro interessante,
quiçá promissor,
quiçá...
O tempo dirá.
Mas nem sempre o tempo diz;
às vezes se cala quando queremos respostas,
às vezes nos aponta os ponteiros
como dedos em riste
quando não o queremos. Tempo!
Quiçá....

domingo, 6 de junho de 2010

Portas

Tantas portas, tão poucas chaves
Perdi minhas claves
Não saio ao sol, sei lá, talvez por dó
Perdi-me no tom
E é pau e pedra e fim do caminho...
Não! Busco as chaves
Busco as claves para me afinar
Para ficar em mim, em si
Tento as maçanetas pra ver qual abre
As portas se negam
A passagem fica difícil, até mais
Daí vem o molho
Destempero de chaves, tantas claves
Coisa de cabeça, mente
Ainda que com as chaves, tantas portas
Labirinto de passagens
Encontrar qual chave abre qual porta...
Tortura imposta da vida
De tantas portas, poucas chaves
E eu sem tom, leio Vinícius
Resta-me um toquinho de esperança
Ouço o ranger de dobradiças

          Obs.: Inspiração originada na leitura e nos comentários da postagem do blog da Gê, bichodesetecabeças, de 2 de junho de 2010. Leiam lá: http://bichodesetecabecas-ge.blogspot.com/2010/06/sem-titulo_02.html. Beijo, Gê.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

ET

Às vezes penso que se me concentrar bem, suficientemente bem, com muita intensidade e boa vontade, a ponta do meu indicador vai acender... To tentando, ainda não consegui, mas sei que deste mundo não sou.

A mão e o barco (mar bravio)

Uma mão posta no meu coração
Aperta, não afaga
Castiga, me naufraga
Maré baixa na sequência de dias
Lua sem brilho
Estrelas tardias

Uma mão posta na minha cabeça
Não é passe ou luz
É preocupação sem cruz
Latência que lateja em pensamento
Lua que brilha
Estrelas de escotomas

Uma mão posta sobre minha mão
Outra mão minha
Raciocínio em linha
Ondas turbulentas, mar bravio
Busco por marolas
Mas sem navio


            Image by Isdelth.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Quem é o chefe?

De onde vêm as idéias, afinal? Da ponta dos dedos soltos ou do cerebro enclausurado no crânio apertado? Quem comanda quem? Tenho cá sérias dúvidas a respeito.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Dilema

Grande dilema é
Querer perto e querer não!
A vida impõe barreira e oposição
Internas e externas,
De fato e de coração,
De alma, de ego, de emoção.

Amar e odiar,
Cuidar e matar em pensamento,
Juntar e separar na convivência.
Perto, impaciente na latência,
Longe, saudade e falta,
Incompletude e desnorteio.

Dedicação, gratidão,
Contrapõem-se à imensidão
Buscada, desejada, impossibilitada.
Vida que vive,
Vida atada,
Alma escaldada.

            Imagem por: southafrikanse