sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Kafkiando

Imagem: I.A. Copilot
Apaixonou-se loucamente por uma personagem fictícia da vida real, namoraram, beijaram, coisa e tal. Ela tinha apartamentos, dois cursos superiores, terrenos em condomínios de luxo, carro elegante e até fazenda que o pai deixou. A paixão virou amor e o enlace foi inevitável, casaram-se com pouca pompa e em circunstância que não diria a que viria. Era tudo alegria, emoção e poesia. Personagem sorridente e simpática, mentia encantadoramente, como boa atriz e semitalentosa. Mas o tempo mostrou a verdade, e que não tinha bens, nem era tantas outras coisas, como outrora dissera pra autoafirmação. Inventava coisas num processo de mitomania descontrolada. Ele achava até que era inocente, a criatura, uma coitada. Era uma apenas alguém, aquela alguém, querendo ser quem não era, querendo família classe média, marido "doutor" e que ela achava ser rico, que fosse homem de quem gostasse e a quem enganasse com bondade. Ia indo bem até o cavalo mancar, empinar e a cavalgadora ao chão cair. Cumprira satisfatoriamente seu papel, cuidara dele, da casa, o acompanhara a todo lado, lhe dera carinho e comida boa, mas dinheiro não tinha e nem ganhava, só gastava além do que podia, num entusiasmo infantil e irresponsável. Com o andar da carruagem, começou ela a divagar, devagar, sobre idiossincrasias religiosas mistas e confusas. Juntava catolicismo com ocultismo com esoterismo com terapias holísticas com budismo e muitas, mas muitas, alucinações idiossincráticas. Começou a projetar no marido certas loucuras e sandices, e também em sua irmã, a quem odiava, certas tiranias inexistentes, a menos na cabeça da referida personagem. Verdade, aliás, era algo que ela não sabia. Dizia conversar com os espíritos e saber a data da morte de todo mundo, mas era tudo uma máscara mal construída para disfarçar o recalque de ter-se tornado nada do que desejara. Odiava o mundo por ter sido o que não conseguira ser e seguiu seu rumo de rota perdida em direção a lugar nenhum, mas agora separada, andarilha, mal-amada, desarmada e que, um dia, foi por ele tremendamente amada e desejada. Metamorfose... e antes da transformação, ele realmente a amou. Mais uma vez Kafka se fez presente a quem nem Kafka conhece... Hoje ele torce por ela, pra ela se encontrar sem mentir mais... a distância segura.

Nenhum comentário:

Postar um comentário