Imagem: I.A. Copilot |
Apaixonou-se loucamente por uma personagem fictícia da
vida real, namoraram, beijaram, coisa e tal. Ela tinha apartamentos, dois
cursos superiores, terrenos em condomínios de luxo, carro elegante e até
fazenda que o pai deixou. A paixão virou amor e o enlace foi inevitável, casaram-se com pouca pompa e em circunstância que não diria a que viria. Era tudo
alegria, emoção e poesia. Personagem sorridente e simpática, mentia
encantadoramente, como boa atriz e semitalentosa. Mas o tempo mostrou a
verdade, e que não tinha bens, nem era tantas outras coisas, como outrora dissera pra autoafirmação. Inventava coisas num processo de mitomania
descontrolada. Ele achava até que era inocente, a criatura, uma coitada. Era uma
apenas alguém, aquela alguém, querendo ser quem não era, querendo família classe
média, marido "doutor" e que ela achava ser rico, que fosse homem de quem
gostasse e a quem enganasse com bondade. Ia indo bem até o cavalo mancar,
empinar e a cavalgadora ao chão cair. Cumprira satisfatoriamente seu papel, cuidara dele, da casa, o acompanhara a todo lado, lhe dera carinho e comida boa, mas dinheiro não tinha e nem ganhava, só gastava além do
que podia, num entusiasmo infantil e irresponsável. Com o andar da carruagem,
começou ela a divagar, devagar, sobre idiossincrasias religiosas mistas e
confusas. Juntava catolicismo com ocultismo com esoterismo com terapias
holísticas com budismo e muitas, mas muitas, alucinações idiossincráticas. Começou
a projetar no marido certas loucuras e sandices, e também em sua irmã, a quem odiava,
certas tiranias inexistentes, a menos na cabeça da referida personagem. Verdade, aliás, era
algo que ela não sabia. Dizia conversar com os espíritos e saber a data da
morte de todo mundo, mas era tudo uma máscara mal construída para disfarçar o
recalque de ter-se tornado nada do que desejara. Odiava o mundo por ter sido o
que não conseguira ser e seguiu seu rumo de rota perdida em direção a lugar nenhum, mas
agora separada, andarilha, mal-amada, desarmada e que, um dia, foi por ele
tremendamente amada e desejada. Metamorfose... e antes da transformação, ele realmente a amou. Mais uma vez Kafka se fez presente a quem nem Kafka conhece... Hoje ele torce por ela, pra ela se encontrar sem mentir mais... a distância segura.
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