Os olhos são as janelas da alma... Mas há olhos em que é melhor não olhar, não arriscar um trauma ao ver paisagem tão podre, tão pobre; hecatombes onde deveria haver seres humanos, vidas.
Os olhos são as janelas da alma... mas há gente sem alma. Normalmente são cegos, normalmente estes nem fitam nos olhos ao conversar. Desviam o olhar, baixam o rosto, são paranoicos... e atacam na surdina.
Traga-me um pouco da sana insanidade
Da responsável irresponsabilidade
Da tortuosidade reta
Da travessura de um trago, um gole... e curvas
Nada certinho demais, senão enjoa
Traga-me o trago que trago e o seu trazer
Uma pitada de cachimbo da paz
Um gole de uma bebida a degustar
Um cheiro bom, um chamego, um aconchego
E pode ter abundância em liberdade
Traga-me a fala solta e espontânea
Sinal de vida, vontade, compreensão, novidade
Traga-me pimenta saborosa, suor
Ponhamos tudo no prato e nos deliciemos com o sabor
Seja assim bom o tempo que for
Uma senhora de aparência estranha e desagradável chegou à frente da casa e ali se instalou como se fosse espaço seu, parecia estar do lado de fora, depois pareceu crescer e envolver a quadra. Demorou um tempo até que me desse conta de que foi minha percepção que cresceu, a visitante era gigante, sempre o fora, e não era uma senhora, nem tampouco visitante... Estranho ser. Grande o suficiente para englobar tudo e o que for além. Insana, maldita... Loucura!
Loucura, então, beteu à porta, mas não atendi. Pobre inocência a minha! Loucura não precisa de portas abertas para entrar ou sair ou dominar o que for: as mentes, as corporações, o modus vivendi reinante, a hipocrisia dominante. Ela não invade, é convidada. Passa pelas frestas, atravessa paredes e toma formas mil, formas vis.
Não é aquela loucura vista nos manicômios, tão pouco e mal compreendida, via de regra inofensiva e estereotipada, é a Loucura da vida, do mundo, das sensações das ditas pessoas normais. É uma núvem, uma névoa, um tufão, e em constante mudança. O mundo, assim, vai-se cegando. Delírio! Relações frias, esfriamento global, sufocamento, vendas nos olhos à venda, tudo à venda.
Falava com tanta frieza e constância sobre temas corporativos e negócios, mas nada relacionados às convivências de vida, que não tinha tempo de perceber a ponta da língua e os lábios a congelarem em meio ao vazio. Trincava tudo, gelava ao redor, se isolava, era frieza só.
Você não percebe o tamanho do ferimento e o quanto sangra e o quanto dói? Parece-lhe invisível! Parece invisível a quase todos, mas é real, talvez mais real do que se fosse absolutamente explícito e tangivel com os dedos.
E quando parecia que vinha
a trégua não era trégua,
era régua desmedida.
Era golpe de foice,
ainda não tão certeiro.
Ainda,
mas tem mira boa, tenho visto.
Era tortura,
era tontura,
enjoo, cansaço.
E enquanto lia, embolia.
Nós nascemos e morremos várias vezes na vida. Nem sempre os funerais são bons, nem sempre as recepções são calorosas aos recém chegados. Mas é preciso reciclar. Somos os mesmos e outros novos, sempre.
- Cadê a bandeira branca?
- A nossa já hasteamos, senhor.
- Disso sei, quero saber da bandeira branca deles. Não hastearam?
- Não, senhor.
- Mas nos disseram que iriam hasteá-la tão logo hasteássemos a nossa!
- É uma guerra.
- Mas há de se ter princípios até mesmo numa guerra.
- A falta de princípios é o principal princípio nas guerras, senhor.
- Tem razão, soldado.
- Obrigado, senhor.
- Não me chame de senhor, soldado. Estamos todos na mesma trincheira, sujeitos à mesma bomba, à mesma morte. De que servem títulos no mundo? Senhor, doutor, digníssimo, excelência? Isto só alimenta egos... Vamos todos apodrecer na trincheira, mesmo.
- Sim, senhor.
- Deixe a bandeira branca hasteada, a nossa, mas antes me chame de você.
- Sim, senhor: você.
- Mas aí ficou estranho!
- Desculpe, senhor.
- Ai, deus, vá logo e deixe nossa bandeira branca hasteada. Se as bombas vierem, minha consciência estará tranquila de não ter matado inocentes do outro lado. Cumpri minha parte, ao menos.
- Você tem razão.
- Agora sim... você! Gostei. Estamos na mesma trincheira.
Registro tardio:
Ao arrumar toneladas de papéis e pastas e certificados e sei lá mais quê, me deparei com alguns escritos antigos, alguns no verso de cartões de visita, alguns em guardanapos, outros em folhas em branco. Aqui os deixo registrados, ainda que alguns me pareçam de qualidade duvidosa. Este foi escrito em 20/01/2004 às 23:10h.
A noite é uma criança...
Não!
A noite é um adulto com insônia
Louco pra viver,
Se encontrar
E encontrar.
Viver o encontro
Sem o sono infantil,
Sem dormir cedo,
Sem pudor
E com prazer
De que serve qualquer sofisticação e requinte, se esta sofisticação e este requinte não partem da alma, do jeito de ser, de agir, do calor humano, da sensibilidade? Assim é tudo objeto... fica tudo abjeto.
Hoje sua função é a de ir lá ao blog Vítima da Quinta e descobrir quem fui, digo, quem foi a vítima desta quinta-feira. Em cada quinta o Eduardo P. L. faz uma vítima. A ideia é de descobrir quem é o blogueiro vitimado da semana, mas sem revelar. Toda quinta, uma nova vítima. A próxima pode ser você. Cuidado!
O ar espesso e denso e seco.
A caixa d'água, antes repleta,
agora por poucas gotas da exaustão.
O clima desértico
desertificando as almas,
as vidas secas já romanceadas.
As gotas que o céu se nega a verter,
vertem nas faces pálidas,
rostos trêmulos, olhares perdidos
e em busca... De que?
O horizonte distante
responde com seu silêncio
alaranjado e belo, e se despede
pra voltar com o mesmo silêncio
na manhã seguinte.
Se tudo é relativo,
como não poder considerar a Terra
o centro do universo?
Basta recalcular o movimento das órbitas
e reconsiderar que nós, ridículos seres,
ridiculamente criados, podemos ser
o centro de um gigantesco nada
cheio de falta de vida.
E, estando no centro,
sendo o universo infinito,
estaremos equidistantes
de qualquer das extremidades
existentes e impossíveis.
Então o dia amanheceu e ela não tinha nem dormido e nem queria se levantar e nem sabia o que fazer e nem o canto dos pássaros trouxe entusiasmo. Ficou imóvel e agitada. O sol incomodou os olhos que não se fecharam no escuro longo e a música não ajudou a relaxar. Queria mesmo se desligar da tomada da vida, mas era wireless, sempre fora.
Que ironia... Dirigia tão cuidadosamente durante toda a vida que não tirava os olhos dos retrovisores, daí só via o que estava atrás, mas dizia querer ir para frente. De tanto se concentrar no que passou, colidiu com o futuro.
O olho penetra no buraco fecha a duras penas
nas pernas pequenas
das meninas do meu adolescer,
ah! dói ser-me NINO.
Observar curvas (re)buscadas
descobrir carícias caríssimas
até então, imaginação
tudo num buraco: fechadura
procura por ver mais a NINA.
Destes meandros, sei-os...
mas então só intuía
em busca de descoberta
ah, totalmente descoberta
nua em pêlo, pelo mais
E pelo menos, pelo amor
dos meus apelos
desvirginando a inocência
desnudando segredos na decência
secreta no olhar dos pequenos,
Mas todo pequeno cresce
e não somente padece do desejo
abre a porta, toca, desfruta, descobre
desfaz-se dos pudores aos bons odores
fechadura, aí, só pra viver o gozo.
Obs.:
Arte de Tonho Oliveira, do blog 6VqCoisa e Pô-ética. A ideia nasceu a partir de um comentário meu, feito lá no blog dele, numa postagem intitulada "DÊ ixe um título para o post...", vejam lá. Deixei lá meu comentário relatando travessuras da pré-adolescência e adolescência, das espionagens em fechaduras, e daí o Tonho fez outra arte (esta aqui deste post) e me mandou a primeira estrofe do poema, daí fiz duas, ele fez mais uma, daí fiz a última. Trocamos ideias, aparramos arestas, trabalho a quatro mãos, mesmo (e tudo por e-mail) e cá está o resultado.
Poesia: Tonho Oliveira e Ivan Bueno
Arte: Tonho Oliveira
Em época de eleições ouço, indignado, as pessoas a afirmar que "já não existe mais nenhum político em quem confiar". Discordo. Eu conheço vários nos quais confio, pena estarem todos mortos.
Filho de peixe, peixinho é. Passamos a vida tentando vomitar ou cuspir fora os anzóis mordidos por nossos pais e a nós repassados, mas continuamos engasgados, fisgados e nos debatendo pela maioria das mesmas armadilhas na tentativa de escapar. Pior mesmo para os que nem se debatem na crença de que são seres absolutamente novos, nada peixes, nada réplicas. São cegos!
É, sem sombra de dúvida, um momento delicado, este: ousado, sem volta, sem mudança de rota, linha reta, ainda que torta. Este momento começa quando a gente nasce e termina quando damos o último suspiro.
Quando um nó se desata e se solta tão facilmente, é porque nem sequer um laço consistente se formou; foi incapaz de aguentar uma mera caminhada no fim da tarde. Se desfez, não houve enlace, são somente fios soltos, sem função mútua.
Eu falo do que falo
porque senão me entalo
com o talo mal dosado
dos acontecimentos,
que dificilmente descem goela abaixo.
Falo por pensar, ter boca,
necessitar.
Falo pela boca,
falo pelos dedos,
pela voz e na escrita.
Dizem que peco pela transparência,
mas não quero o vidro fosco.
Posso me quebrar com facilidade,
mas tenho aprendido:
envolvo-me em papel bolha
para sair da bolha que me impede de viver
plenamente.
É fato que o feto afeta o farto farfalhar de ficções e fricções, mas é igualmente fato que o feto desinfeta a vida de quem tem o privilégio de ser pai ou mãe ou tio ou ter uma criança em seu convívio íntimo. Crescemos com as crianças, e muito. Suspeito gravemente, como dizia meu avô, de quem não goste de crianças, animais e árvores.
Um sorriso às vezes exige um esforço descomunal da musculatura facial para que se faça e, ainda assim, sai em um tom amarelado forte, seguido de uma lágrima que o denuncia a verdade.
Este blog recebeu do blog Dias Genéricos o selo "Blog Amigable", e agradeço muito a Patrícia Gonçalves pela homenagem, pela leitura constante e pelo incentivo. Beijo enorme, Patrícia, e obrigado, de coração.
Através deste selo são "premiados" os blogueiros que transmitem valores culturais, éticos, literários, pessoais etc. Que, em suma, demonstram sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto entre suas letras, entre suas palavras e imagens.
Esses selos foram criados com a intenção de promover a confraternização entre os blogueiros, uma forma de demonstrar carinho e reconhecimento por um trabalho que agregue valor à Web.
É de bom tom (formal isso, né? rs...) que, quem recebe o “Prêmio Muchas Gracias Al Blog Amigable” e o aceita, siga algumas regras (se quiser, apenas):
a) Exibir a Distinta Imagem (também soa formal, mas é bonitinha! rs...);
b) Apontar o Blogue pelo qual recebeu o prêmio (se quiser);
c) Escolher uma quantidade de pessoas de sua preferência (também se quiser) e a um blog de cada pessoa escolhida oferecer o “Prêmio Muchas Gracias Al Blog Amigable”.
Gostaria de salientar que, pela escolha de 10 blogues apenas, muitos ficaram de fora e gostaria também de homenagear. Alguns dos que eu homenagearia foram já homenageados, outros não couberam na lista, mas são igualmente importantes. A ideia aqui é a de divulgar os blogs e interligá-los de alguma maneira para difundir a literatura, profissional ou não.
Este selo é pra todos que se fazem sempre presentes, comentam, incentivam, criticam, envim, todos os que por aqui passam e que fazem com que este blog tenha sentido. O que vale é a intenção, o selo é uma representação gráfica, apenas.
Na montanha russa da vida, ainda que tenhamos medo das quedas, saber apreciar a paisagem do alto é coisa sábia. É valorizar o fato de estar, ainda que momentaneamente, no alto.
No silêncio a alma diz, diz muito. Difícil é decifrar, especialmente aos outros. Às vezes a escrita consegue extravasar o grito da alma, às vezes o grito é tão intenso que nos cala.
Como caminhar em terreno incerto?
Como firmar-se sobre farta turfa?
É que queremos segurança demais pra andar,
E queremos andar demais,
Pensamos ter que andar demais
Pra encontrar o que carregamos na algibeira.
Uma visão perfeita, celeste, vinha de cima e me chamou
Olhava-me o céu inquirindo-me da vida
Calado lhe olhava junto aos pássaros
Queria eu um voo, uma visão altiva, menos repetitiva
Olhava-me o céu repetindo-se na pergunta
Desafiando-me a responder o irrespondível
Irresponsável mania humana de tudo querer saber
E, nesta mania, constrói, destrói, mói, se dói
Pássaros na árvore miram o céu, miram a mim
Olhar inquiridor, estranham-me a falta de penas
Sentem pena por meu caminhar, compreendem céu
Voam seus voos belos e voltam à bela árvore
Nunca pararei de olhar o céu, de olhar as aves
Nem de questionar o irrespondível viver
Pois sempre serei inquirido pelo céu
Sempre terei a compaixão das aves
Tentarei, não como Ícaro, voar meu voo altivo
Ver o mundo de cima para entender-me pequeno
Ver-me no alto para entender-me baixo
Ver-me pássaro para entender-me humano
As nuvens passam, os pássaros aquietam-se pousados
A árvore inerte, só em aparência, fica imóvel como eu
Mas estamos vivos, eu e ela e também o céu
Que insistirá eternamente a me inquirir até o fim
Obs.:
Poema inspirado nesta bela foto tirada por Yani Rebouças, Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, neste ano de 2010.
Do vinho que tomava
Sobrou um resto no fundo da taça
Nem percebi
Deixei de lado, segui
Quando a sede de vinho voltou
Vinho não tinha mais
Questionei-me da taça deixada
Era então secura e nada
Obs.:
Poema inspirado na frase "É impossível não rebuscar os porquês de o relacionamento ter chegado ao fim se ficou um pouco de líquido na taça." da postagem "Quando os ex voltam" do blog Afrodite Para Maiores de autoria de Luciana P.
Link: http://www.afroditeparamaiores.com/2010/07/por-que-os-ex-voltam.html
A vida nos força a sermos como uma fênix em muitos momentos. Quantas vidas tem uma fênix? Não sei, mas o que vale é voar alto. Sem voo, sem caça; sem caça, sem vida; sem vida, sem voo. E, ah, sem voar não se vive, mesmo.
E quando a grande descoberta
Se desperta em quimera
Mudar o mundo, a vida, quem dera?
E a descoberta se encobre
Pouco ou nada se revela
Sob os panos, entre as núvens, cegueira
A busca atada em desencontro
O encontro revelando-se fim
A vida a se desenrolar como novelo de lã
E solta, a linha se emaranha
Nós, maçarocas, tudo atado
Ao por a cabeça no travesseiro, desnorteio
Som ligado, conto carneiros
Travesseiro como pedra
Pouco dormir, pouco relaxar: pesadelo só
O dia seguinte é gemido, é dor
Prenúncio confirmado, tempo perdido
Vôo alado... Paz?
Tiro desta flor a pétala
Uma só para cheirar
A flor se desfaz, fico incapaz
De repor-lhe a vida...
O dedo furado no espinho, sangra,
E a flor que era rosa vermelha
Murcha, morre, some
Curvada ao tempo
Que desidrata,
Desata
Mata
A salvação, se não vem dos céus,
Tampouco vem dos réus
Ou de uma Justiça maiúscula e diminuta, injusta.
Virá da consciência,
Da latência, da continência?
Salvação pode ser pura teoria.
Mundo de religiões, conflitos, gritaria!
Onde seguir rumo sem perseguição sombria?
Não viver de sobras
Ou de faltas latentes, de vertentes?
Salvação é ilusão, loucura.
O dedo que nos aponta e acusa, é nosso!
A loucura pode ser o caminho da sanidade;
O inverso pode não ser o avesso,
Mas um verso de um poema-nós.
Gostavam-se tanto, amavam-se tanto que o odiarem-se era também inevitável, mas sem o maniqueísmo redutivo dos extremos. Há nisto um grande degradê de sentimentos e vivências.
Não falar com o olhar ou não falar com o corpo faz do falar com a boca algo mais inútil que o silêncio. A expressão que vem da alma pode, sim, passar pela boca, mas ela só tem valor se ratificada pelo olhar, pela respiração, pelo corpo, pelo toque....
Sincrônicas mentes
Entre palavras
Deslizam
No ponto zero da leitura
De um lado,
Olhos
Do outro,
Dedos
Momentos, encontros
Amor de poesia
Palavras
Sincrônicos dedos
Que vêm, vazam, voam
Versam do zero ao cem
De um lado,
Dedos
Do outro lado,
Olhos
Enlaces
De poesias de amor
Sincrônicas mentes
Não mentem
Ratificam
Palavra que vai e vem e vai...
De um lado,
Lado,
Do outro lado,
Lado também
Dedos e olhos,
Uma só coisa
Sincronicidades
Cidades e vidas
Dedos, idéias, esbarrões
Lá e cá é tudo terra e céu
Pecador e pecadora
Do falar
Tecer e ler
Pêndulos de Cronos.
PS:
Poesia feita a quatro mãos por mim e Carmen Sílvia Presotto (de Porto Alegre, RS - do site literário Vidráguas). Ela iniciou com as duas primeiras estrofes, fez-me a proposta, dei sequência nas estrofes seguintes, mandei a ela que, nas palavras dela disse "alisei algumas palavras, mas se mexermos mais estragaremos..." Aí está o resultado, aqui no Empirismo Vernacular e lá em Vidráguas (www.vidraguas.com.br), onde há também vários outros poemas meus e de tantos autores mundo afora publicados lá por ela. Sempre obrigado, Carmen.
Luvas de pelica nunca foram tão bem utilizadas no mundo quanto nos textos de José Saramago. E quantos rostos sentiram-se atingidos! Não foram poucos. A dimensão do incômodo que seus textos geraram são diretamente proporcionais às verdades que disse e que continuam e continuarão vivas a ecoar na mente dos encarapuçados.
Obs.:
Fiquei "tocado" com a manifestação do Vaticano, por meio de sua imprensa oficial, o L'Osservatore Romano, difamando e desrespeitando Saramago e sua obra. É a magnânima "bondade divina" representada pela Igreja Católica e tantas outras igrejas regurgitando suas próprias falas e desrespeitando uma mente de quem, com todo o direito que todos têm, escolheu ser ateu. As palavras duras e "divinas" do vaticano não deveriam chocar, mas chocam. Na verdade também ratificam todas as críticas que Saramago fez à Igreja e ao conceito inventado de Deus. Saramago nunca matou ninguém, foi homem bom e íntegro... e a Igreja Católica, o que tem a dizer sobre tantas mortes e assassinatos feitos? Leiam a matéria de A Folha de São Paulo na íntegra pelo link a seguir: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/753918-vaticano-chama-saramago-de-populista-extremista-e-ideologo-antirreligioso.shtml. Santo Papa, santo "deus", "santas" palavras estas e tantas outras do Vaticano. L a s t i m á v e l.
Como que com nome de flor, com cheiro de saudade, hoje a literatura fica mais pobre com o falecimento do nosso genial José Saramago, aos 87 anos de idade. Único prêmio Nobel de literatura da língua portuguesa, é motivo de orgulho não só para nós, amantes da língua portuguesa, mas para toda a literatura mundial, por seu estilo único, por sua ironia bem dosada, por seu senso de humor mascarado em tapas com luva de pelica.
Saramago é meu fiel amigo há anos, desde aproximadamente 1994, nunca tendo me deixado só. Presente na estante, presente na mesa de cabeceira, presente diante dos olhos, presente nas minhas ideias, presente ganho quando o descobri e se tornou meu autor contemporâneo predileto. Não perdia uma entrevista dele e em 2008 quase me esbarro com ele em São Paulo, mas foi só quase. Este meu grande amigo não me conheceu, mas eu mergulhei em diversas obras dele, incluindo os ditos diários Cadernos de Lanzarote, nome derivado do local ode vivia nas Ilhas Canárias com sua mulher Pilar.
Logo ao abrir a Folha de São Paulo Online fui surpreendido com um slideshow incluindo fotos de José Saramago por ocasião do lançamento do livro Caim, em 2008, em Lisboa. Primeiro vi as fotos sem ler, gostei de vê-lo, mas logo li o título acima "Morre aos 87 anos o escritor português José Saramago". Meus olhos lacrimejaram de imediato. Poucas mortes de personalidades me comoveram tanto e ainda escrevo sob este efeito, um tanto adormecido e, por que não dizer, enlutado.
A literatura hoje entra em luto, e ainda que alguém não tenha lido Saramago, se ama a literatura, há de se enlutar pela sua originalidade, riqueza de temas, força e estilo, caráter e simpatia. Saramago deixa um legado magnífico. Já li aproximadamente 15 livros de sua obra, e ainda há mais o que ler, muito mais, e reler. Saramago deixa órfãos tantos e tantos, como eu.
É inevitável que lágrimas escorram e caiam sobre este solo, mas não inutilmente. Cai e umedece o solo, enriquece-o, faz florescer o que foi germinado dentro de seus leitores mundo afora. Nós, brasileiros, temos muito a agradecer a Saramago, sempre tão solícito e amável para conosco, tão amante de nossos grandes escritores, como Jorge Amado e Chico Buarque, para citar apenas dois. Um escritor português é também um nosso, pela nossa admiração e adoção.
Há poucos dias, mais precisamente no dia 13 passado, fiz uma homenagem aos 122 anos de Fernando Pessoa. Passados 5 dias, perdemos nosso querido Saramago. Ele, que homenageou e reverenciou Pessoa em diversas ocasiões, mas em especial no extraordinário romance "O Ano da Morte de Ricardo Reis", uma magnífica viagem por Lisboa, pela história e por meandros da mente humana por onde se passa quando se lê Saramago.
Sinto-me órfão, um pouco mais órfão. Sempre desejei ter um livro autografado pelo autor, mas agora percebo que o autógrafo já foi dado há anos e está indelével no coração deste leitor e admirador de seu estilo e de seus pensamentos. De alguma forma, há vida após a morte. Está aqui uma prova, como tantas que a literatura, a música, a pintura e as artes em geral nos dão. Saramago fica como A Flor Mais Grande do Mundo a nos perfumar com suas obras e seus pensamentos.
Obrigado, Saramago. Obrigado por tanto que nos deu, por tanto que nos deixou. Ficamos órfãos, mas com uma herança literária e humana tremenda. Que siga em paz... Ou deveria dizer que sigamos em paz?
"O mundo é tão lindo e me dá tanta pena de morrer"
frase dita pela avó de Saramago e contada por ele em uma entrevista dada ao repórter Edney Silvestre em 2007.
E as linhas que eu escrevia
iam sumindo
antes de chegar ao fim da linha,
como se a tinta da caneta
estivesse se acabando,
mas não,
a caneta estava cheia.
Na próxima linha,
cor forte, traço firme,
a idéia seguinte, mas novamente
as linhas iam sumindo ao final.
Parecia que, por vontade própria,
não queriam mostrar por completo
seus segredos.
E da mesma forma
que ocorria com cada linha,
foi ocorrendo a cada nova linha,
a cada nova estrofe,
ia sumindo e sumindo e sumindo.
Ao final do poema
a caneta parecia seca,
mas não estava. Aceitava rabiscos,
desenhos à toa, qualquer coisa,
menos a escrita daquelas idéias,
a exposição daquela vida,
daquela intriga, daquela intimidade.
Ao ponto final, nem sinal
em baixo relevo ficou no papel.
Sumiu tudo.
Era seca de poesia,
era o fim da linha...
Fertilidade poética e imaginativa,
Enveredou-se pela escrita sendo um em diversos.
Retornando múltiplos a um em versos,
Nunca deixou de lado a tratativa com o rigor à forma.
Andou trôpego, mas a apontar verdades,
Notando mais que a mediana visão mundana afora.
Dom da escrita em criação: tonalidades,
O mestre da poesia portuguesa, sem exceção o fora.
Porte de pessoa garbosa tinha ele, pois,
E era, de per si, Ricardo, Álvaro ou mesmo Alberto,
Sem, no entanto, deixar de ser só pessoa.
Simulou a multiplicidade em heterônimos, aberto.
Oscilou pelas ruas de Lisboa e da África,
Atingiu o mundo: "drama de gente", poesia, Pessoa.
Obs.:
Em 13 de junho de 1888 nascia em Lisboa, Portugal, um dos maiores poetas da língua portuguesa (com a disputa acirrada com Camões), há 122 anos atrás. Viveu na África do Sul com a mãe, na infância, onde aprendeu Inglês e compôs poemas neste idioma, depois tendo retornado a Portugal. A expressão "drama de gente" era usada por ele próprio para se autodenominar.
E a noite que parecia que seria alguma coisa,
foi nada.
E o dia que não prometia nada,
rendeu um encontro interessante,
quiçá promissor,
quiçá...
O tempo dirá.
Mas nem sempre o tempo diz;
às vezes se cala quando queremos respostas,
às vezes nos aponta os ponteiros
como dedos em riste
quando não o queremos. Tempo!
Quiçá....
Tantas portas, tão poucas chaves
Perdi minhas claves
Não saio ao sol, sei lá, talvez por dó
Perdi-me no tom
E é pau e pedra e fim do caminho...
Não! Busco as chaves
Busco as claves para me afinar
Para ficar em mim, em si
Tento as maçanetas pra ver qual abre
As portas se negam
A passagem fica difícil, até mais
Daí vem o molho
Destempero de chaves, tantas claves
Coisa de cabeça, mente
Ainda que com as chaves, tantas portas
Labirinto de passagens
Encontrar qual chave abre qual porta...
Tortura imposta da vida
De tantas portas, poucas chaves
E eu sem tom, leio Vinícius
Resta-me um toquinho de esperança
Ouço o ranger de dobradiças
Às vezes penso que se me concentrar bem, suficientemente bem, com muita intensidade e boa vontade, a ponta do meu indicador vai acender... To tentando, ainda não consegui, mas sei que deste mundo não sou.
De onde vêm as idéias, afinal? Da ponta dos dedos soltos ou do cerebro enclausurado no crânio apertado? Quem comanda quem? Tenho cá sérias dúvidas a respeito.
Grande dilema é
Querer perto e querer não!
A vida impõe barreira e oposição
Internas e externas,
De fato e de coração,
De alma, de ego, de emoção.
Amar e odiar,
Cuidar e matar em pensamento,
Juntar e separar na convivência.
Perto, impaciente na latência,
Longe, saudade e falta,
Incompletude e desnorteio.
Dedicação, gratidão,
Contrapõem-se à imensidão
Buscada, desejada, impossibilitada.
Vida que vive,
Vida atada,
Alma escaldada.
Às vezes me parece que o aquecimento global é resultado do resfriamento das relações humanas, especialmente nas áreas onde há superpopulação e é maior a corrida, que passa a ser só por lucros. As pessoas se esbarram, mas não se tocam. É frio este aquecimento.
A vida, afinal, de quem é, se nunca é nossa e sempre se vai? Pra onde, quando, por que?
Obs.: Aforismo surgido de um comentário feito após a leitura de uma bela postagem do site Teatro da Vida, de Lara Amaral, em 23/05. - Link: http://laramaral-teatrodavida.blogspot.com/
E que o mar em suas ondas carregue o teu espírito em paz, sereno...
Lugar desconhecido, almejado, quiçá desejado... Será?
Zumbidos dizem sim, outros dizem não
Antes seria dia de aqui chegares, mas agora te foste já há dois anos.
Foste, mas ficaste nos corações, daí és sempre eterna.