Não havia o que temer, o mundo era seguro, totalmente seguro como nunca mais voltou a ser. Acordou ele da noite tranquila de sono, arrumou-se e, como eram férias, preparou-se para o dia de aventuras mundiais e universais a serem vividas no quintal de casa. Primos e amigos viriam. Neste dia, um primo. Imersos na despensa, feita laboratório da Nasa, criaram suas vestimentas de materiais especiais para as tarefas urgentes e importantes que os aguardavam: deveriam explorar um planeta inóspito e desconhedico, de pouca gravidade. Materiais separados, todos de alta tecnologia: papelão de caixa, presilhas de roupa, durex e esparadrapo, talvez também um grampeador antigo. Canetinhas ajudariam na criação de botões, visores por demais importantes pelos detalhes que mostravam e no design puro e simples em si.
Tomaram a nave, decolaram mesmo sem saber da existência de Cabo Canaveral, mas decolaram dali mesmo. Se não era Nasa, iam assim mesmo espaço afora. E, ah, que vista bela tinham da janela da nave-despença: estrelas, planetas, cometas, outras naves, até, tudo lindo demais. Viajaram bastante e distante, mas enfim chegaram e era hora de se vestirem com os trajes de astronautas. Assim o fizeram, pois dever há de ser cumprido à risca. Era hora de descer. A aterrisagem havia sido perfeita, sem trancos nem barrancos. O nível de oxigênio estava ok.
Desceram cautelosos, fingindo até mesmo um temor que não tinham. Foram, então, a explorar o planeta inóspito localizado... onde mesmo? Nem eles sabiam. Exploraram o planeta e tudo era mágico. O planeta era lindo, como o quintal da casa, ainda que fosse planeta inóspito. Veículo de locomoção era uma Monark Dobramatik azul, linda, veículo de última geração nessas explorações. Um "guiava" o outro ia na garupa, digo, na cabine complementar. No planeta havia vasta flora: jabuticabeira, mangueira, pé de figo, belas roseiras, duas goiabeiras, inúmeras flores e plantas, matinhos e ervas daninhas, que não danavam nada. Que belo planeta, que bela expedição. Os trajes funcionaram com pefeição inigualável a quaisquer outros e a quaisquer outras explorações a planetas inóspitos, se é que houve alguma mais. Eram pioneiros, claro. Aqueles outros lá tinha ido à lua, não estes aqui. Estes tinham ido a um planeta inóspito, e era lá que estavam. Era muito importante salientar que o planeta era inóspito, embora fosse totalmente seguro andar por ali. De seres vivos, nenhum apareceu. É possível que houvesse vida inteligente lá, além das dos valentes astronautas, mas não se fizeram conhecer. Exploraram tudo, naquele imenso e inóspito planeta-quintal. Comeram frutas e, olhe só!, não faltava lá oxigênio e nem se deram conta da diferença da força gravitacional. Não andavam aos saltos, como ocorrera com os outros na lua, mas normalmente.
Os dois astronautas conversavam entre sí, decidiam em conjunto o que seria explorado, como seria a viagem de volta. As mangas, as jabuticabas, os figos e as goiabas daquele planeta inóspito eram deliciosas. Com aquelas roupas não dava para subir nos pés, mas os habitantes desconhecidos do planeta tinham deixado varas específicas para a colheita das frutas. Comeram de se fartar. Depois, tendo tudo explorado e todas as coisas checado, anotado, regulado os botões das roupas espaciais, decidiram retornar à terra de onde partiram.
Voltaram com menos burocracias. Foi só decidir que voltariam, entraram na nave-despensa, tiraram os trajes especiais, um shhhhhhhhh sinalizou o barulho dos motores e já estavam de volta. Que aventura! Depois, anos se passaram, veio a idade adulta dos astronautas e as viagens desse tipo foram perdidas e ficaram na memória, apenas.
Os astronautas crescem e se esquecem de como viajar quando querem e pra onde querem sem precisar de quase nada. Acho que a criatividade se dilui no corpo que cresce e evapora um outro tanto. As lembranças, no entanto, ficam para sempre. O planeta inóspito, toda a viagem, os trajes, a espaçonave, nada disso jamais foi ou será esquecido.
Já fui um astrunauta de sucesso!... Eu era um deles!... Depois cresci.
RECORDO AINDA
ResponderExcluirRecordo ainda... e nada mais me importa...
Aqueles dias de uma luz tão mansa
Que me deixavam, sempre, de lembrança,
Algum brinquedo novo à minha porta...
Mas veio um vento de Desesperança
Soprando cinzas pela noite morta!
E eu pendurei na galharia torta
Todos os meus brinquedos de criança...
Estrada afora após segui... Mas, aí,
Embora idade e senso eu aparente
Não vos iludais o velho que aqui vai:
Eu quero os meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino... acreditai!...
Que envelheceu, um dia, de repente!...
(Mario Quintana)
Por coincidência,uma querida amiga a pouco também escreveu em seu blog sobre sua infância, e me fez questionar ..
Acho que nunca mais tiramos férias...Férias mesmo tinhamos na infancia, a minha sempre nas casas das avós que hj me parecem tão pequenas e antigas...
Saudades daquele tempo... saudades de mim..Vontade de ter férias..
Adorei recordar!
Beijosssssss...
Pelo jeito as infâncias andam baixando com frequência de pomba-giras. Isso é bom. Manter a infância viva dentro da gente, faz bem. Eu, que já fui astronauta, também adorava a casa dos meus avós, que também era casa das minhas tias solteiras, ainda meus xodós. Essas lembranças dão um gosto especial não só na infância, mas na vida toda.
ResponderExcluiresse dias, num jantar na casa da jac, um conhecido recordava as férias em goiás velho. e como é de costume, uma lembrança traz outra, e se ajuntavam às lembranças de infância, também em goiás, da jac. riram muito. e ele finalizou dizendo:
ResponderExcluir- eu tenho tanta saudade de goiás, mas tanta, muitas saudades. daí vou pra goiás e no outro dia tô louco pra voltar pra casa, pra goiânia.
daí eu disse:
- é porque você não tem saudades de goiás.
...............................................
tava aqui pensando e tô um tanto pasma. eu não tenho tantas saudades da infância... talvez um pouco da época que morávamos em bonito, mas só talvez.
Gê, minha filósofa,
ResponderExcluirAcho que ele, o amigo da Jac, sente sautade de Goiás, sim. A questão é que ele sente saudade da Goiás que ele carrega dentro dele, da infância dele e não dessa cidade histórica, preservada.
Toda saudade que a gente sente é do que a gente carrega dentro da gente, e não do "em si" que eventualmente continua a existir.
Sinto falta da casa da rua 4, do quintal da casa, da jabuticabeira, das goiabeiras, da mangueira etc. Sinto saudades de mim lá, podendo viver aquilo. Não é a casa (quem nem existe mais e se existisse não teria também o peso da saudade), mas é, talvez, saudade de mim na infância: planos, liberdade, "viagens interplanetárias", grandes aventuras sem precisar de muito ou quase nada. É como o Luca, que com meias enfiadas nos braços, se transforma num ninja e tem golpes especiais e poderosos e acha linda a torre "infel".
Saudade da infância é saudade dessa capacidade de criação e abstração que a gente tem quando pequeno e, depois, perde.
É de pasmar não ter saudade da infância? Não sei. Como foi ela? Você foi astronauta? E a gente nunca tem saudade de tudo da infância, tem saudade de momentos. Você carrega sua saudade, ainda que pouca, de um "momento Bonito" dela. Acho que é assim, mesmo. E a saudade vai e vem. Às vezes é maior, às vezes é menor, às vezes é imperceptível (como que inexistente), e depois o ciclo se repete sem regras.
Eu, de minha parte, lembrei minhas viagens no meu próprio quintal perdido em alguma casa do interior paulista. Não chegavam a ser viagens intergaláticas, mas como se pareciam com essa descrita aqui: pés-de-tudo-quanto-é-fruta, cimento pra ralar os joelhos, calois e um saco de fantasias que me transformavam em qualquer coisa. Lembranças da infância... tenho lembranças de mim mesma e dos mundos para os quais evadia quando o verdadeiro era um saco! Como fui esperta desde pequena, que instinto de sobrevivência!
ResponderExcluirVocê me fez lembrar de um texto muito antigo que escrevi sobre esse época da minha vida, se eu encontrá-lo postarei lá no Marés e Ressacas, o título era Amarelinha, lembro bem!
Um beijão!
A tempo:
Um rala de vez em quando é bom por isso, tô de cama e tô comentando aqui... ajuda a recuperar!
mas foi justamente o que eu quis dizer (de modo mais sintético, digamos). não é de goiás, é da infância, vem antes de goiás (mesmo porque goiás é um saco!), goiás tá dentro da infância. enfim, quanto a mim... penso muito pouco quase nada na infância. não me delongaria, não me faz nem verso nem prosa. mas fico muito comovida com "meus 8 anos".
ResponderExcluirFernanda,
ResponderExcluirEssas lembranças da infância me alimentam, me fazem um bem enorme. Eu sinto falta de muitos momentos ou, talvez, de muitos estados de 'ser criança'.
Eu fazia viagens intergalácticas, mas também aventuras na selva, piques de esconder, piques de peger, pular muro, subir no telhado, olhar a vizinha trocando de roupa.
Viajar era preciso pra fugir de um mundo que, em especial depois dos 6, me roubou um bocado da infância. Viajava, pois "navegar é preciso, viver não é preciso".
Gê,
Depois quero saber dos seus "8 anos". É quando morou em bonito?
Comentário complementar:
Gostei de ver que o fato de deixar um puxão de orelha fez vocês aparecerem pra ler e comentar, mas tem mais coisas pra ler e comentar. Vamos lá, mãos à obra. Ts ts ts... nada de procrastinação. (rs...)
Beeeeeeeeijos, minhas filósofas.
"meus oito anos" é um poema do casimiro de abreu. "ai, que saudades que eu tenho/ da aurora da minha vida/ da minha infância querida/ que os anos não trazem mais".
ResponderExcluireis uma boa parte da infância, o mergulho profundo da imaginação! sinto falta desse mergulho, que a falta de tempo, as obrigações e limitações diárias me impede de fazer.
ResponderExcluiradorei o texto, eu também fui uma astronauta! ;D
Você também foi astronauta? Que legal! Será que sua nave foi uma que passou pela minha numa dessas viagens? Parecia apressada e era nave de menina. (rs...)
ResponderExcluirDepois conte sobre sua experiência como astronauta. Nós, astronautas, gostamos de saber disso: a questão da viagem, a decolagem, o pouso, o traje, o planeta (inóspito ou não), o oxigênio, a gravidade, essas coisas todas feitas ao nosso bel prazer.
É bom mesmo mergulhar na infância, muito bom. É um jeito de voar de novo, de viajar de novo em pensamento.